
Sarah Oliveira é o elo afetivo entre música e público. Uma conversa sobre a arte da escuta, a crueza do Tiny Desk Brasil e o poder de ser de verdade.
Há 25 anos, Sarah Oliveira faz a ponte entre o que ouvimos e o que sentimos. Ela não gosta de se colocar como curadora. Prefere se definir como um ‘elo’ humano, alguém que transforma música em conversa. Foi assim na MTV, no rádio e hoje, no comando do Tiny Desk Brasil, onde sua escuta atenta continua sendo a base de tudo. Para Sarah, não existe fórmula: a conexão nasce do interesse genuíno e da coragem de ser a mesma pessoa dentro e fora das câmeras. Em tempos de consumo acelerado, ela aposta que o público está aprendendo a domar os algoritmos e valorizar o que é verdadeiro. Por isso, nosso convite foi direto. Perguntamos o que estava em seu radar agora. A playlist que ela nos entregou não é manifesto nem retrospectiva, mas um retrato honesto e espontâneo das canções que estão atravessando sua escuta neste exato momento. A conversa a seguir explora exatamente isso, a magia de um palco cru, a coragem de ser de verdade e a arte de transformar a escuta em conexão.
Lísias Paiva, editor-fundador
Sarah, sua carreira é dedicada a contar as histórias por trás das canções. Para você, qual é a principal função de um comunicador de música hoje? Ser um guia que aprofunda a escuta, um provocador que desafia o gosto ou um curador de memórias afetivas?
Minha carreira é dedicada à comunicação no geral. Sou uma pessoa completamente apaixonada por comunicação e por música, então não sou curadora de música, mas tenho uma relação muito afetiva e de paixão com os artistas que fazem a nossa música e a música no mundo. Talvez eu tenha essa função de ser um elo entre o artista e o público. Eu me vejo como uma pessoa que consegue falar dessa memória coletiva e das histórias por trás de uma forma afetiva. Vejo o quanto a música tem um poder curativo e gosto de entender o lado humano e transformador dela. Então, esse é o meu vetor de desejo.
Seu trabalho sempre foi marcado pela criação de um espaço de intimidade. Agora, no comando do Tiny Desk Brasil, você assume um formato que celebra exatamente essa atmosfera. O que a crueza desse palco revela sobre um artista que uma entrevista tradicional talvez não alcance?
Quem está no comando do Tiny Desk é a música. Eu faço as entrevistas com os artistas e é uma honra. É muito lindo ver a carinha deles quando acaba o show e eles vêm para a entrevista no meu estúdio. Eles chegam emocionados, felizes. Para eles é um superdesafio essa crueza. Imagina cantar sem retorno, sem ear, com a banda mal se ouvindo. É como se estivessem no começo da carreira, é voltar para aquela coisa dos caras cantarem em casa. A proposta da NPR, dona do formato original, é singular e inédita, e o Tiny Desk Brasil segue exatamente esse modelo. Eu acho que os artistas vêm nessa emoção também, então talvez as entrevistas estejam aproveitando o calor que eles trazem da apresentação.
Como você, que sempre defendeu a audição atenta, enxerga o desafio de fazer com que as pessoas realmente ouçam a história de uma canção em meio ao consumo acelerado dos algoritmos?
Eu acho que as pessoas estão começando a aprender a usar o algoritmo. Já foi muito complicado, mas hoje as próprias plataformas estão mudando, e as pessoas estão customizando seus algoritmos. Estou achando isso muito legal, porque dá liberdade. E essa liberdade é o que enriquece a cultura. O consumo acelerado vai continuar, claro, mas está havendo mais espaço para as pessoas poderem ir atrás do que elas querem ouvir. As marcas também estão percebendo que não adianta ter milhões de seguidores se não há engajamento. A nova geração está sacando que os likes não significam nada. As grandes mobilizações se dão através de artistas que têm história, que conseguem atingir o offline.
Seja no rádio ou na TV, você sempre construiu um espaço de confiança. Qual é o segredo desse processo? É pesquisa, empatia ou simplesmente saber a hora certa de ficar em silêncio?
Eu comecei muito nova e tive uma escola muito legal na MTV, que era a de poder se comunicar através da verdade, sendo você mesma nas câmeras e fora delas. Eu aprendi assim e tem tudo a ver com o que eu sou. É muito natural, não saberia explicar se tem uma fórmula. Se tiver um segredo, seria você ser de verdade, olhar no olho, se interessar pelo outro. E eu tenho a sorte, ou talvez seja o “vetor do desejo”, como diria Deleuze, de só fazer projetos autorais desde 2011. Eu só aceito o que tem sinergia, quando eu quero muito. Isso eu consegui conquistar e fico muito feliz.
Depois de 25 anos conectando artistas e público, qual é a sensação ou a memória que você espera que sua curadoria continue deixando nas pessoas?
Eu acho que é uma imagem idônea, ainda bem. A gente tem que fazer as coisas com muita dignidade, com muita integridade. É o que eu acredito, é o que eu ensino para os meus filhos. A gente está aqui nesse mundo para se conectar com o outro, e se você não tiver integridade, você não vai conseguir aprender nada. Eu gosto quando falam: “eu sinto você como um elo“. Acho bonito, fico feliz. E também amo quando ouço: “eu estudei Rádio e TV por causa de você“. Ah, isso para mim é muito emocionante.
Se você tivesse que escolher uma única canção para ser a trilha da sua própria história, aquela que resumisse quem você é como comunicadora e ouvinte, qual seria e por quê?
Essa pergunta é meio impossível para eu responder, porque são muitas canções. Mas eu bati o olho, tenho uma camiseta da Marina Lima que ela me deu com uma frase. A canção não tem a ver com isso, mas a frase tem, que é da canção “Acontecimentos”. E eu acho que essa frase, “todo amor vale o quanto brilha“, é muito valiosa, porque é isso. Quando está brilhando, quando tem verdade, quando o corpo vibra, é quando está fazendo sentido. É o que eu tento levar para a minha profissão.
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Essa Tal Liberdade
Agradecimentos: Alice Ferreirinho pela parceria e conexão
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