From House To Disco

From House To Disco

A pista como arquivo vivo. O From House to Disco escuta o que veio antes e devolve ao agora o que ainda pulsa.

Bruna e Lívia olham para a house e para a disco com um tipo de respeito que não pesa. Elas sabem de onde essas músicas vieram, sabem quem construiu essas pistas e, mesmo assim, não tratam nada como relíquia. Trabalham naquele lugar frágil onde pesquisa encontra pulso e onde memória só faz sentido quando se mexe. É ali que o From House to Disco sempre funcionou. Nada congelado. Nada embalado para presente. Tudo vivo. O garimpo delas vem sem nostalgia. Elas escutam com cuidado, mas não com luva branca. Quando um groove antigo aparece, elas puxam para perto, deixam respirar, testam na pista, conversam com o corpo coletivo da noite. É a pista que decide o que continua. Elas só acompanham. ‘Garota Sangue Bom’ nasceu dessa lógica. O vocal da Fernanda Abreu segue firme, porque ainda segura a faixa sem esforço. O instrumental, não. Ele ganhou deslocamentos, respiros, pequenas tensões que abriram espaço para 2025 entrar. Não é reverência. É atualização com afeto, mas também com coragem. A entrevista e a playlist, logo abaixo, são um recorte do trabalho que Bruna e Lívia constroem há anos, sempre de um jeito que mantém o arquivo vivo e a pista acesa.

Lísias Paiva, editor-fundador

Bruna e Lívia, o nome do duo já é um manifesto. O que a house e a disco ainda dizem sobre o presente que outros gêneros não conseguem dizer?
Muitos gêneros musicais têm seu espaço legítimo para falar sobre comunidade e resistência. No entanto, a house e a disco ocupam um lugar de autoridade particular nesse diálogo, por ambos terem sua origem ligada a comunidades negras, latinas e LGBTQIAPN+, em um momento em que esses grupos eram marginalizados em outros espaços. Então existe um lugar muito proprietário pra se falar de liberdade e pertencimento dentro desses dois gêneros e isso é algo atemporal.

O deepbeep valoriza a música como processo e permanência, um claro contraponto às trends de 15 segundos. O trabalho de vocês é sobre essa espessura. Como vocês enxergam o desafio de mostrar a potência da disco e da house para uma geração que cresceu nesse ambiente digital acelerado?
Sempre vai existir quem queira sentir a música, não só ouvir. Mesmo num mundo acelerado, vemos que ainda existe uma geração que resiste: gente curiosa, inquieta, que não aceita que um algoritmo diga o que ela deve gostar. É pra essa galera que a gente toca e produz. A house e a disco sempre foram sobre isso: liberdade, escolha, presença.

Então, mais do que lutar contra o digital, o que vale hoje é mostrar que dá pra “remixar o tempo”, trazer de volta o que é essencial. E é lindo ver novos artistas fazendo isso: pegando samples de 40, 50 anos atrás e recontando essas histórias pra uma nova geração, pra quem quer sentir e não só ouvir por 15seg uma música. De certa forma, nos encaixamos aí.

O som do From House to Disco conecta passado e presente, mas também inventa futuro. O que guia esse filtro criativo? O prazer de redescobrir grooves esquecidos, a vontade de preservá-los ou a obsessão de reinventá-los para uma nova pista?
Acho que um pouco de tudo, viu. Existe o prazer de redescobrir grooves esquecidos e trazê-los de volta em uma nova releitura. Muita coisa boa já foi feita, é um desperdício olhar só pra frente. E sempre vai haver uma nova geração pra quem aquilo tudo é uma grande novidade.

Criar em dupla também é negociar. O que vocês aprenderam sobre convivência criativa que talvez nenhum curso de produção musical ensinaria?
Criar em dupla é um exercício constante de escuta e desapego. A gente aprendeu que nem sempre a melhor ideia é a que vem de você. Às vezes é a que a outra te faz enxergar. Abrir espaço pra isso muda tudo, porque a música acaba saindo do meio, não do ego. Convivência criativa é sobre intimidade, confiança e tempo. O FHTD tem sete anos, mas a Livia e a Bruna têm onze, então já andamos muito pra chegar nesse equilíbrio de hoje (hahaha).

A pista pode ser só diversão, mas também pode ser resistência e comunidade. Qual é a conversa invisível que vocês querem acender entre as pessoas quando o From House to Disco assume o som?
A gente quer acender um sentimento de liberdade coletiva. Quando o From House to Disco assume o som, o que importa pra gente é que as pessoas se sintam parte de algo maior, mesmo que por algumas horas. A pista pode ser divertida, mas também é espaço de expressão e de troca. A gente entende de onde a house e a disco vieram e o que elas representam, então tentamos honrar essa energia do encontro, do cuidado, do olhar que se cruza e se entende. É sobre criar um lugar onde todo mundo possa ser e estar sem pedir licença, não importa quem seja.

Remixar “Garota Sangue Bom” é, de certa forma, mexer num arquivo vivo da cultura pop brasileira. O que vocês quiseram “rasurar” ou ressaltar nessa faixa para que ela falasse com 2025?
Sim, é verdade, é uma joia rara, né? Desde o começo, a nossa maior preocupação foi tratar esse trabalho com o cuidado que ele merece. É muito comum, em remixes, que se mexa bastante nos vocais, mudando o pitch, cortando partes… Mas aqui, a nossa prioridade foi o vocal potente da Fernanda e a letra afiada de Garota Sangue Bom. Seria um desperdício mexer nisso. Então, com essa base vocal tão forte em mãos, nos demos a liberdade de explorar novos caminhos no instrumental, sempre respeitando a melodia original como referência, é claro.

O remix de “Garota Sangue Bom” mostra como a obra da Fernanda continua atual e pulsante. O que vocês acham que esse encontro entre o “Da Lata” dos anos 90 e a pista de 2025 revela sobre a força e a permanência do batuque digital brasileiro?
A gente acredita muito nesse movimento cíclico das coisas. É muito doido pensar que, lá nos anos 90, a Fernanda já estava revolucionando o pop brasileiro ao incorporar batidas eletrônicas do house e do funk. E agora, 30 anos depois, são justamente os festivais gringos de house (e de techno) que estão descobrindo os DJs e produtores de funk do Brasil. Quando algo é bom de verdade, ele volta. Ele encontra novos espaços, novas gerações, novas formas de existir. E isso é lindo, né? É assim que artistas que marcaram uma época reaparecem com frescor, com novidade, como a própria Fernanda, entre tantos outros.

Se vocês pudessem escolher uma única pista de dança na história (real ou imaginária) para tocar um set do From House to Disco, qual seria e por quê?
Uma única pista de dança na história? Pô, que sacanagem. Vamos ter que criar um híbrido aqui, algo entre o Paradise Garage (que tinha entrega, comunhão, essa coisa toda da pista como templo) e o Studio 54 (cheio de liberdade, mistura e uma estética ousada que marcou toda uma época). Seria o “Paradise 54” (hahaha). Brincadeiras à parte, o From House to Disco vive nesse meio-termo, entre o coletivo e o íntimo, o espiritual e o ousado. Então tocar em um “Paradise 54” seria simplesmente perfeito.

Acompanhe o trabalho do From House to Disco
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Fotos:
Mo Almeida

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Aqui no deepbeep, cada entrevista vira uma playlist. Cada playlist, um jeito novo de ouvir.
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