Gaía Passarelli

A cronista que defende a construção lenta como antídoto para a “fome de conteúdo” das redes. Uma conversa sobre a urgência de não ter pressa e o poder de criar em seus próprios termos.

A cultura hoje exige conteúdo imediato, movida por uma fome que, como Gaía Passarelli define na entrevista, ‘não é cultural, mas econômica’. Ela é a cronista que escolheu o caminho mais longo. Com a bagagem de quem viu a internet se transformar da MTV aos blogs, ela entende o que significa não depender de plataformas. Seu projeto, ‘Tá Todo Mundo Tentando’, é a prova disso: um espaço construído em ritmo próprio, longe dos humores das redes sociais. Convidamos a Gaía para uma conversa sobre essa escolha. Falamos sobre seu novo livro, que marca um retorno à música e sobre a liberdade de escrever com a ‘segurança na voz’ de quem não precisa mais ‘disputar espaço’ com ninguém. A playlist que ela criou é o mapa de onde essa voz começou: o rock dos anos 80 e 90 que formou seu ouvido.

Lísias Paiva, editor-fundador

Gaía, no “Tá Todo Mundo Tentando”, você mudou o foco de analisar a obra dos outros para analisar o próprio processo de criar e trabalhar. O que te moveu a abrir essa conversa tão honesta sobre as dores e as delícias de “tentar”?
Acho que não tinha visto dessa forma. Mas o Tá Todo Mundo Tentando é uma coisa que foi rolando aos poucos, sem muita estratégia. Quando saí do BuzzFeed Brasil, em 2021, me vi com a oportunidade de voltar a me dedicar a uma prática de escrita que tinha abandonado. A intenção era só publicar um texto por semana e me manter escrevendo. Quase cinco anos depois, já virou livro e um filhote, o Guia Paulicéia, uma curadoria semanal de coisas legais para fazer em São Paulo.

Sua carreira atravessou o auge da MTV, a explosão dos blogs e agora a era dos podcasts e newsletters. Com base nessa bagagem, qual você percebe como a maior mudança e o maior desafio para um criador que busca construir uma voz autêntica hoje?
Não depender de plataformas. Nós estamos vendo a morte da internet, em que forças externas estão o tempo todo tentando te convencer a fazer mais para abastecer uma necessidade que não é cultural, mas econômica: a fome de conteúdo das big techs. O grande desafio é desviar das roubadas disfarçadas de estratégia e aprender a cuidar do que você está construindo, sabendo que essa construção é lenta. Esse é um dos motivos que valorizo tanto a newsletter, porque assim dependo menos dos humores das redes sociais.

Como você, que é uma curadora por ofício, faz para se manter inspirada e descobrir o que realmente te alimenta, para além do que as plataformas recomendam?
Não tem uma fórmula pronta. O que funciona para mim é estar cada vez menos em redes sociais. Limito meu uso de Instagram a vinte minutos por dia, mantenho um leitor de RSS atualizado com interesses diversos para ler os sites e blogs (sim, eles existem!) que eu gosto. Também tenho tentado ouvir música fora do Spotify/Youtube e acompanho criadores específicos, como jornalistas e podcasters, principalmente em newsletters. Na minha vida é o formato ideal: é textual, chega onde estou e leio no meu tempo.

A música sempre foi o fio condutor do seu trabalho. Qual é a sua relação com ela hoje? Ela ainda é seu principal objeto de estudo ou se tornou um refúgio, uma trilha sonora para sua escrita?
Deixou de ser tema de trabalho pouco depois que saí da MTV, em 2013. Eu sentia uma vontade genuína de aprender a escrever melhor e sobre outros assuntos. Talvez tenha precisado me livrar de um papel que grudou em mim e que eu não queria mais carregar. Raramente escrevo ouvindo música (mas estou ouvindo Talking Heads enquanto escrevo suas respostas!) porque música me distrai. Para escrever, vou mais para o lado da música instrumental, e Explosions in the Sky é um favorito de anos. Ouço muito podcast também, normalmente na faxina ou na academia. E para cozinhar gosto de ouvir ópera, rs.

O nome do seu projeto, “Tá Todo Mundo Tentando”, virou um mantra para a sua comunidade. Qual é a principal mensagem que você espera que seu trabalho ofereça para quem está no meio do perrengue?
Eu gosto muito de como essa frase pegou, mas ela não é minha, é de uma amiga. O nome veio por acaso, de uma intenção prática. Mas o recado que tento passar com esse projeto é que a vida se vive um dia de cada vez. A gente anda vivendo numa urgência de querer falar de tudo, ter opinião sobre tudo, tem que aparecer, se não sente FOMO… putz, está todo mundo preocupado em fazer seu corre, está todo mundo tentando fazer o seu.

Seu novo livro marca um retorno à música. Depois de uma jornada escrevendo sobre outros temas, o que te trouxe de volta?
Esse livro novo foi convite do Nilson Paes e do Fabio Massari, da Terreno Estranho. Levei uns dois anos para ter uma ideia, porque o tempo do texto é meio lento mesmo. Encaro como uma volta para casa, um reencontro com um assunto que eu tinha deixado guardado. A gente conversou muito até chegar no formato, que são ensaios sobre minha relação com música em diferentes momentos da minha vida. O que descobri foi que tenho, hoje, uma liberdade para escrever o que eu quiser, que há vinte anos não tinha, porque não estou mais preocupada em disputar espaço com ninguém. Do meu gosto musical nunca duvidei, mas hoje tenho também segurança na minha voz.

Fotos: Rony Hernandes

Acompanhe o trabalho de Gaía Passarelli
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Onde encontrar o livro: Tá Todo Mundo Tentando

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