
Através de um garimpo profundo, ele conecta o Brasil de ponta a ponta para revelar a riqueza sonora de um país que o próprio brasileiro, às vezes, esquece.
Com a missão de celebrar e dar o devido reconhecimento à cultura brasileira, o DJ, produtor e pesquisador Tahira se tornou uma das vozes mais importantes na valorização do “Brasil completo”. Com mais de 30 anos de carreira, sua filosofia de discotecagem apresenta a totalidade da nossa música, do regional ao contemporâneo, como um convite para redescobrir a própria identidade sonora. Através de seu selo Poeira Music e de um garimpo incansável que vai do vinil à fita cassete, ele revela a genialidade de artistas e ritmos muitas vezes ignorados pelo eixo cultural principal. Nesta conversa, Tahira fala sobre o poder da pesquisa musical, a alegria de conectar o Brasil de ponta a ponta e por que celebrar nossos próprios sons é o futuro. E é com essa mesma paixão por revelar o ‘Brasil completo’ que convidamos Tahira para compartilhar uma playlist especial: uma curadoria que explora a vastidão e a diversidade da música brasileira, do tradicional ao contemporâneo, para nos reconectar com nossa própria identidade sonora e com os artistas que merecem ser ouvidos. Mergulhe nesta jornada sonora e redescubra o Brasil completo: dê o play na playlist e leia a entrevista.
Qual é sua filosofia como DJ hoje?
Hoje eu uso dois termos para minha discotecagem: o da “cultura brasileira” e do “Brasil completo”. Eu procuro mostrar o Brasil em sua totalidade, todos os estilos musicais que nosso país tem. Misturo o novo e o velho, do tradicional ao contemporâneo. Mas eu nunca sei o que vou tocar. Improviso baseado no que eu sinto na hora e também no quanto esse público me permite mostrar do Brasil sonoro.
Você tem críticas ao cenário musical de DJs no Brasil atualmente?
O DJ brasileiro é extremamente colonizado. Muitos sons brasileiros que os DJs tocam nem sequer são música culturalmente brasileira. É música extremamente influenciada pelos EUA. Por muitas vezes, uma música americana cantada em português.
Por isso uso o termo “cultura brasileira” na discotecagem, para tentar me diferenciar dos outros. Quando discoteco, quero mostrar tudo que se faz no Brasil, incluindo também esse lado que tem mais identidade brasileira. Nossos ritmos, nossos estilos, nossa malemolência que só o brasileiro tem.
Outra coisa é que a maioria dos DJs toca somente músicas antigas. O cenário musical brasileiro contemporâneo, em todos os seus estilos, é incrível. Desde o samba tradicional até as misturas eletrônicas. Tem muita música boa sendo ignorada.
Como você vê essa questão da colonização cultural?
Eu não tenho nada contra a influência americana nos sons brasileiros. Temos artistas fantásticos. E a cultura black power brasileira foi e continua sendo muito importante por fatores sociais e de empoderamento. Mas quando a gente reverencia muito a cultura gringa, a gente acaba esquecendo da nossa identidade cultural. Nossa cultura é tão incrível quanto a dos americanos. Não devemos nada a eles. Não é uma questão de melhor ou pior, e sim um corte seco no modo como o DJ brasileiro vê a cultura dos outros e não dá o devido valor à nossa.
Qual o problema disso?
Síndrome de Vira-Lata. Tudo que é de fora é melhor. É uma triste visão que o brasileiro tem dele mesmo. Vai ter que chegar um gringo aqui e falar que samba de coco, ciranda ou ijexá são estilos geniais. Aí sim os DJs brasileiros vão achar genial também. É muito triste essa falta de personalidade, essa necessidade de ser aceito na cultura americana.
Mas você reconhece a qualidade da música brasileira americanizada?
Totalmente! O brasileiro é um povo extremamente criativo e extremamente competente na música. O mundo todo sabe disso. O brasileiro faz qualquer tipo de música de maneira incrível. Você tem inúmeros artistas brasileiros que fazem música americana tão bem quanto os americanos fazem.
Em nenhum momento eu questiono a qualidade, porque o brasileiro é incrível. A questão é que você também tem gênios da cultura regional — do Norte, do Nordeste — que sofrem preconceito inclusive no Sudeste e Sul do país. São gênios do mesmo nível, gente extremamente criativa, músicos fantásticos. O Brasil é bom demais. Então os nossos estilos deveriam ter um reconhecimento tão grande quanto os americanizados.
Como você trabalha hoje profissionalmente?
Eu sou DJ, produtor, compilador e tenho um selo chamado Poeira Music. Com o tempo, vi a necessidade de cada vez mais abraçar outros mundos além da discotecagem. Só ser DJ não era o suficiente para mim. Tento sempre me reinventar.
E os algoritmos, eles te ajudam na pesquisa?
O algoritmo, dentro do que eu procuro, não chega lá. Eu sou curador, eu faço compilações, eu procuro músicas que tenham coisas diferentes — misturas, detalhes específicos. Às vezes não é nem a música, é a versão específica que eu procuro. Quando você busca esse diferencial num mar de coisas parecidas, o algoritmo não chega lá.
Como é seu processo de pesquisa na prática?
Eu não tenho nenhum problema com tecnologia. Eu pesquiso em todas as mídias possíveis, novas e velhas. Se tem música… estou pesquisando. Vinil, fita cassete, CD, MD, internet. Não tem limite e não tem pausa. Todo momento é oportunidade de pesquisa. Desde uma conversa com amigos, navegando na internet, ouvindo rádio, até o garimpo tradicional nos sebos.
Quando eu acho alguma coisa interessante, eu vou atrás. Na minha compilação Brasil Novo, coloquei uma música que era de um show gravado que eu vi num bar em SP. Conversei com a banda. Eles queriam que eu usasse a versão do CD, mas eu queria a ao vivo, em específico. Como eles tinham gravado o show, consegui colocar na compilação.
E esse boom do vinil, como você vê?
Quando comecei a discotecar foi na época do vinil. Comprei muito. Visitei sebos do mundo todo. Mas hoje não romantizo tanto. Eu acabei de vender toda a minha coleção. Continuo comprando, mas com um outro olhar, mais de pesquisa para fazer músicas. E algumas coisas específicas para discotecar. Mas a grande maioria do material que discoteco hoje, infelizmente, não existe em vinil. Por isso tenho meu selo e prenso vinil, para dar a oportunidade dos amantes da bolacha terem parte da minha pesquisa em disco.
Algo que gostaria de comentar é sobre a pesquisa em fita cassete. Tenho conversado com alguns colecionadores e percebi que as fitas têm muito mais potencial do que o vinil. Como a gravação na fita era algo mais prático, a possibilidade de se achar sons não lançados, demos e versões diferentes é muito maior. Mas com certeza dá muito mais trabalho. Fica a dica para os mais nerds em escavação musical.
Qual é seu objetivo com todo esse trabalho?
Sempre foi o mesmo desde que eu comecei uma pesquisa mais séria como DJ: que músicas, artistas, produtores e bandas que não receberam o devido reconhecimento o recebam. É muito difícil viver de cultura no Brasil, apesar de ser um país tão rico culturalmente.
Tem muita gente boa, tanto no passado quanto no presente, que não recebe o reconhecimento que merece. Esse é o meu objetivo desde sempre, nunca mudou: trazer à tona pessoas que fazem coisas incríveis no Brasil e que nunca receberam o reconhecimento devido.
Você gostaria de adicionar mais alguma informação?
Eu sou um DJ que discoteca e caça músicas do território brasileiro e mostro pra quem tiver interesse. Tudo que digo é do ponto de vista de um DJ com mais de 30 anos de carreira. Não me acho um especialista. Só mais uma pessoa que ajuda o cenário geral. Sou um curioso musical. Eu não quero ser músico, não quero ser historiador, não quero ser acadêmico. Eu sou um DJ que tenta trazer informação através da discotecagem e, quando é possível, apresentar novos sons às pessoas… só isso.
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