Silvia Machete

Da anarquia das ruas ao palco como playground: a artista fala sobre a liberdade de “se comportar mal” e a performance como uma grande e divertida viagem coletiva.

A essência de Silvia Machete como artista foi forjada no asfalto. Foi nas ruas que ela aprendeu a lição mais fundamental da performance: a de criar uma atmosfera e conquistar o público de forma imediata e visceral. Essa liberdade anárquica de sua formação reverbera em tudo o que ela faz hoje. Para ela, uma canção é um “papel de cantora”, um personagem que ganha vida e pode “se comportar mal” no palco, transformando cada show em uma grande brincadeira. Com uma visão madura sobre a indústria que idolatra a juventude, ela canta sobre as complexidades da mulher e as nuances dos afetos. Nesta conversa, a cantora e compositora fala sobre seu processo criativo e a catarse do palco. Ao final, ela compartilha a “playlist de uma show-woman”, uma seleção de artistas que, como ela, entendem que a performance é o lugar onde a voz, o corpo e a música se tornam uma coisa só. Dê o play na playlist e mergulhe nesta entrevista.

Sua formação vem do circo e da arte de rua. Como essa experiência de precisar conquistar a atenção do público de forma tão imediata e visceral influencia a artista de palco que você é hoje? A rua te ensinou algo que nenhuma escola de música poderia ensinar?
Ter trabalhado nas ruas me ensinou tudo o que eu sei sobre como fazer um show e criar uma atmosfera propícia (mesmo em uma rua caótica, é possível) para entreter o público. Eu posso dizer que foi a maior escola que eu tive. Foi muito difícil no início, mas eu fui muito persistente. Eu queria muito aquela vida. Nunca fui tão livre e anárquica.

Seus álbuns recentes, como “Rhonda” e “Invisible Woman”, parecem explorar personas e conceitos muito fortes. Para você, uma canção nasce junto com uma personagem? Como funciona seu processo de usar a música para investigar temas como a “mulher invisível”?
Sim, virei cantora porque tive um PAPEL DE CANTORA na peça que eu escrevi. Então, esse “personagem” foi entrando na vida, mesmo eu já tendo cantado a vida toda. Eu vejo cantoras como atrizes também, e eu virei uma cantora romântica. Minhas letras são todas sobre relações e amores, na grande maioria. No disco INVISIBLE WOMAN e na canção que leva esse mesmo título, eu quis falar dessa invisibilidade da mulher. Com a minha maturidade e com minha mania de estar sozinha, eu percebi muita coisa sobre como nós, mulheres, vamos sumindo diante da sociedade. É curioso, assustador e muito bom também, porque estamos ligadas no que acontece ao nosso redor.

Ouvimos muito sobre como os algoritmos podem criar uma “obsessão por juventude e sucessos imediatos”. Você já se posicionou criticamente sobre isso. Como uma artista com uma obra tão madura e autoral, como você navega esse cenário? É uma luta diária para proteger a sua arte?
Sim. Juventude é algo que vende muito. O corpo da mulher é muito vendável e a indústria se aproveita disso. Eu tento navegar de forma suave e não perder a mão, nem a cabeça, rsrs. Eu faço 50 anos no ano que vem.

Além de intérprete, você é compositora. Como é o seu processo de escrita? As ideias vêm de uma melodia, de uma imagem, ou da necessidade de dar voz a um sentimento ou a uma personagem que te habita?
Eu sou letrista e trabalho com o Alberto Continentino. Ele entende bem o meu mundo, conseguimos uma parceria brilhante. Eu me inspiro em TUDO para escrever uma música. Eu escrevo a letra, sugiro um universo musical para ele. Nós temos uma afinidade MUITO grande quando se fala de sonoridade. O Alberto sabe o que eu quero cantar, as melodias, as harmonias. Meu personagem pode se comportar muito mal no palco cantando essas músicas, e isso é muito divertido não só para mim, mas para o público.

Seus shows são descritos como experiências inesquecíveis, uma catarse. Para além da música, o que você busca criar nessa troca com a plateia? Qual é a principal sensação ou liberdade que você espera que as pessoas levem consigo depois de te ver no palco?
Eu tenho uma conexão linda com o público que vem aos meus shows. Se estou me divertindo, é certo que o público vai embarcar na minha viagem. Como disse no parágrafo acima, o palco é o lugar onde eu posso me comportar mal, um lugar de BRINCADEIRA mesmo. E eu quero proporcionar essa experiência para quem vem nos shows. É a coisa que eu mais gosto de fazer.

Fotos: André Passos

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