Ronaldo Lemos

O pensador do futuro digital que encontra respostas para a era da IA na sabedoria do corpo e no poder da desconexão.

Ronaldo Lemos é um dos principais navegadores do complexo território onde tecnologia, cultura e sociedade se encontram. Longe de ser um otimista ingênuo ou um pessimista digital, ele enxerga o futuro com uma mistura de curiosidade e prudência. Em suas análises, a vanguarda do Brasil pode estar não em um software, mas em soluções como o pó de rocha e o biometano. Para ele, a lógica é paradoxal e clara: a melhor forma de entender o mundo digital é se desconectando dele, seja na esgrima ou no tênis, atividades que vê como “resistência à conexão compulsiva”. Nesta conversa, o pensador fala sobre o futuro do Brasil e como encontrar sinal no ruído. A playlist que ele compartilha reflete sua vasta curiosidade, uma trilha sonora que vai de Hermeto Pascoal e Arvo Pärt a Walter Franco e Sister Nancy, provando que, para pensar o futuro, é preciso ter um repertório sem fronteiras. Ouça e dance!

Você sempre destacou o papel de vanguarda do Brasil em debates sobre a internet. Hoje, com a ascensão da IA e novas plataformas, qual você enxerga como a nossa maior contribuição — ou nosso maior desafio — na construção de um futuro digital mais humano e criativo?
O Brasil tem dois caminhos diante da tecnologia: ou se torna apenas consumidor passivo de tecnologias externas ou usa sua criatividade e diversidade cultural para propor algo novo. Nossa maior contribuição está em articular modelos abertos, inclusivos e sustentáveis. Por isso, minha empolgação com o pó de rocha e o biometano.

Enquanto solar e eólica são tecnologias dominadas pela China, o etanol, o biometano e o pó de rocha são inovações brasileiras. Se quisermos ter um papel de vanguarda no futuro digital, é aí que está a chave: usar nossas próprias soluções.

O biometano é produzido a partir da purificação do biogás gerado por resíduos agrícolas, urbanos ou da pecuária. Ele pode ser integrado à própria cadeia do etanol. Tem a mesma molécula do GNV e pode ser usado desde em veículos até em datacenters. É uma extensão natural do etanol, que já foi uma revolução energética brasileira.

Já o pó de rocha remineraliza o solo com rochas moídas ricas em nutrientes, aproveitando resíduos da mineração. O Brasil reduz a dependência de fertilizantes importados, melhora a produtividade agrícola e ainda captura carbono.

O deepbeep nasceu de uma inquietação com a homogeneização cultural causada por algoritmos. Na sua visão, essa é uma batalha perdida ou existem caminhos realistas para que a curadoria humana, a descoberta por acaso e os nichos culturais possam não apenas sobreviver, mas prosperar na era da IA generativa?
Sou totalmente do time da curadoria humana. O uso saudável e prudente da IA é aliado com a curadoria humana. Ficar só na decisão pela IA ou do algoritmo leva rapidamente a ficar preso em um ciclo de retroalimentação. Mas não podemos ser ingênuos também. Estamos em um momento em que IA e algoritmos determinam como a informação circula. É preciso entender os padrões que isso cria, tal como no famoso texto de McLuhan sobre o maelstrom, e escapar desses padrões para não sermos tragados pelo redemoinho da IA.

Seu trabalho exige uma digestão constante de informações complexas. Como é o seu processo para transformar esse volume de dados em uma ideia clara, seja para uma coluna na Folha ou um episódio do Expresso Futuro? Onde você encontra o sinal no meio de tanto ruído?
Estamos imersos em ruído. Para navegar nele, o caminho são duas coisas: curiosidade e prudência. Eu leio, ouço, vejo muita coisa, movido por curiosidade. Mas tenho de decidir o que vale ser retido, o que é valioso e útil. Essa é uma decisão que envolve o que chamo de prudência. Aliás, usar IA sem prudência é cair em um risco permanente. A IA só é útil se estiver aliada com essa qualidade da prudência, que permite analisar, filtrar, refutar ou adotar seus resultados. Escrevendo na Folha ou gravando o Expresso Futuro, a regra é a mesma: mapear o campo amplamente, mas aprofundar de forma seletiva.

O sinal aparece justamente aí: quando algo que parece distante ou abstrato pode ser explicado de forma clara, mostrando o impacto que tem no cotidiano de qualquer pessoa.

Em um perfil tão focado no futuro e no digital, chama a atenção seu interesse por práticas analógicas e de alta concentração como o tênis e a esgrima. Qual o papel dessas atividades do corpo no seu equilíbrio e no seu processo de pensar o mundo digital? Elas são um refúgio, um contraponto ou uma fonte de inspiração?
O maior erro que alguém pode cometer é achar que mente e corpo são coisas diferentes e separar um do outro. Já cometi esse erro no passado e paguei um preço alto por isso. Muitos dos processos de ansiedade e depressão que são tão comuns no mundo hoje derivam, na minha visão, dessa separação entre corpo e mente. Sua mente faz parte do seu corpo e vice-versa.

Para mim, a atividade física, incluindo essas de alta intensidade como a esgrima (que faço há mais de 27 anos!) e o tênis, é uma forma de reconectar a cabeça com o corpo. Além disso, em um mundo em que estamos conectados o tempo todo, é fundamental buscar atividades que levam à desconexão. O esporte é uma delas. Mas há várias outras: o convívio social, a prática da religião e da religiosidade, rituais (incluindo casamentos, aniversários ou funerais), o consumo cultural ao vivo (como shows e exposições) e também a festa, que no Brasil é muito importante. Vejo tudo isso como atividades de resistência à conexão compulsiva.

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