
O encontro do compositor confessional com o mestre das letras imagéticas. Uma conversa com Pélico e Ronaldo Bastos sobre o destino, a sorte e a criação de “A Universa Me Sorriu”.
Esta é a estreia da Primeira Audição, a nova série do deepbeep dedicada a lançamentos. E para inaugurar, mergulhamos em um encontro que é um verdadeiro presente. O álbum “A Universa Me Sorriu – Minhas Canções Com Ronaldo Bastos” nasceu da parceria entre Pélico, artista de voz confessional e processo solitário, e Ronaldo Bastos, mestre de uma geração e dono de um baú de letras lúdicas e imagéticas. Pela primeira vez em 20 anos de carreira, Pélico se abriu para compor um projeto inteiro a quatro mãos, descobrindo em si um novo lado intérprete ao dar voz às palavras de seu ídolo. Nesta conversa, os dois artistas falam sobre o processo, a sintonia fina que os uniu e por que, para criar algo novo, é preciso se arriscar e “fugir da caretice”. A entrevista revela como é transformar o silêncio em parceria sem perder a própria voz, e a playlist, curada por eles, nos convida a entrar no universo musical que tornou ‘A Universa Me Sorriu’ possível. Ouça agora!
Pélico, o seu processo de composição sempre foi mais confessional e solitário. Ao abrir-se para o universo lúdico e imagético do Ronaldo, que parte de si como artista, que talvez nem você conhecesse, veio à tona? O que esta parceria lhe revelou sobre a sua própria voz?
Pélico: Na verdade, só canto porque escrevo. Se eu não fizesse minhas músicas, minhas letras, talvez nem fosse cantor. Quando comecei a cantar as letras do Ronaldo, isso me revelou um lado de intérprete que eu não sabia que tinha. Eu achava que só conseguiria cantar minhas próprias canções, e isso me deixou muito feliz, porque revelou esse meu lado que talvez eu nunca tivesse acreditado que pudesse existir.
Aconteceu uma coisa curiosa. Eu e o Ronaldo já tínhamos feito duas músicas à distância e, em 2024, fui para o Rio, na casa dele, para a gente trabalhar junto. Cheguei lá e falei: “Ronaldo, estou muito nervoso por dois motivos. Um é que sou seu fã, e o outro é que tenho poucas parcerias e nunca fiz nenhuma presencialmente, olho no olho.” Ele falou: “Eu também nunca.” Fiquei desacreditado. Então, esse desafio foi mútuo, e a gente superou com leveza, com o prazer de estar ali, nós dois, pela primeira vez, fazendo algo que nunca havíamos feito. E foi muito bom.
O título “A Universa Me Sorriu” fala de um alinhamento cósmico, uma sorte. Qual foi o momento exato, o “lance de dados sob a luz da manhã”, em que olhou para este projeto e sentiu que não era apenas um disco, mas um presente do destino?
Pélico: Não teve um momento exato. Percebi que o universo estava me sorrindo durante o processo de composição com o Ronaldo, porque parceria não é algo tão simples. Eu e ele, logo de cara, conseguimos. Na primeira música que mandei, enviei três melodias, ele escolheu uma e já me devolveu uma letra maravilhosa. As coisas foram acontecendo como se precisassem acontecer e ali percebi que era destino mesmo. Esse projeto precisava ser feito.
Ronaldo, você é um gigante com um baú de achados que definiram a música brasileira. O que viu na música e no momento do Pélico para sentir que era com ele que iria abrir esse caderno e criar um universo inteiramente novo?
Ronaldo Bastos: Obrigado pelo elogio. Eu faço parte de uma geração que viveu um momento muito rico, tanto em termos de referências quanto de necessidades urgentes daquele tempo, o que acabou se refletindo na nossa criação. A arte do Pélico despertou meu interesse assim que eu escutei o disco dele “Que Isso Fique Entre Nós”, em 2012. Mas a vontade de desenvolvermos um trabalho juntos veio em 2019, quando fizemos “Marinar”, nossa primeira parceria. Ali vimos que existia uma sintonia fina, que ia para além da admiração recíproca. Passada a pandemia, sucederam-se vários encontros na minha casa, no Rio, nos quais fomos entendendo para onde podíamos ir, sem repetir muito os assuntos e criando uma atmosfera diferente. Eu adoro o fato de termos feito um álbum, num momento em que as pessoas parecem estar escutando somente playlists para deixar rolando no fundo. Esse é um disco que merece ser ouvido com atenção do início ao fim.
As suas letras sempre traduziram o espírito do tempo. O que este álbum, feito hoje, diz sobre o nosso momento atual? Que tipo de conversa um mestre como você, que já dialogou com tantas gerações, acredita ser essencial ter com o presente através destas novas canções?
Ronaldo Bastos: Eu tenho uma parceria com o Lô Borges chamada “Uma Canção”, para a qual escrevi os versos “Uma canção é leve e pode sustentar / toda emoção que pesa demais / e num passe de mágica faz voar”. Foi escrito há décadas, mas eu considero essa mensagem atemporal. Acho que esse é o feeling que eu e o Pélico temos em relação à Universa. É leve, profundo e mágico. A minha conversa fundamental com as novas gerações é fugir da caretice. Vejo muita gente nova e talentosa repetindo o passado, voluntária ou involuntariamente. Atualmente tudo pode ser vendido como uma grande novidade, mas isso não se sustenta no tempo. É claro que, como dizia o saudoso Fernando Brant, “o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir”. O artista precisa conhecer tudo, mas tem que sempre procurar a liberdade, no mais amplo sentido da palavra, para poder realmente trazer algo novo. A revolução de que precisamos hoje pode, sim, ser feita a partir do afeto, com amor, mas tem que ter punho firme. Tem que aposentar aquele caderninho das pequenas experiências diárias e se jogar no mundo, se arriscar. O artista pode ajudar a construir a vida nova. E essa conversa não é só para as novas gerações. Temos todos que sair um pouco das redes sociais e viver a vida onde ela realmente acontece.

Ouça “A Universa Me Sorriu – Minhas Canções Com Ronaldo Bastos”
Acompanhe o trabalho de Pélico e Ronaldo Bastos
Pélico no Instagram
Pélico no Spotify
Ronaldo Bastos no Instagram
Ronaldo Bastos no Spotify
Agradecimentos: Piky Candeias Comunicação
Fotos: Rodrigo Ferdinand