Monique Dardenne

Entre a paixão de curadora e a ação de ativista, ela mostra como se constrói um mercado musical mais justo.

Monique Dardenne transita entre dois papéis: o de estrategista que luta por equidade e o de curadora apaixonada que se deixa encontrar pela música. À frente do Women’s Music Event, ela criou um dos ecossistemas mais relevantes para mulheres e artistas da diversidade no Brasil, enquanto trabalha para redesenhar as estruturas do mercado. Seu “faro” para o novo, alimentado por fontes como o Bandcamp e rádios alternativas, somado à urgência de quem sabe que representatividade se constrói na prática, faz dela uma força transformadora na cultura. E é nesse espírito de efervescência musical e ativismo que a convidamos a compartilhar uma playlist muito especial: músicas que representam a força e a diversidade da música brasileira atual, artistas em quem ela aposta todas as fichas para 2025, ou aqueles sons que a inspiram a continuar seu trabalho transformador. Dê o play na playlist e sinta a energia da diversidade musical com Monique Dardenne.

Monique, com sua atuação transformadora à frente do Women’s Music Event e como uma curadora que prioriza a diversidade, qual é a mudança de mentalidade mais necessária que você enxerga para que a equidade e a pluralidade de vozes realmente floresçam e se consolidem na indústria musical brasileira?

Em 2025, ainda estamos nessa construção e longe de chegar lá. A sociedade em si precisa andar junto em vários aspectos para refletir com força na música. Pesquisas mostram que a equidade de gênero será atingida daqui a 131 anos, então pensar nisso em 2025 é muito prematuro, mas é claro que nos últimos 5, 10 anos, evoluímos bastante.

Um ponto essencial que acredito ser a necessidade de mais fomento e cuidado com projetos afirmativos que dão palco e promovem o crescimento dessas vozes e artistas minorizados (mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIAP+). Vimos em 2024 e 2025 muitos desses projetos e festivais não acontecendo por falta de recursos. E fica a pergunta: quem está dando vazão a esses artistas que deixaram de se apresentar nesses palcos, por exemplo? A formação de público também acontece aí. A Feira Preta, o Batekoo, o próprio WME e tantos outros que foram cancelados ou quase. O olhar atento e cuidadoso de marcas e programas da iniciativa pública precisa, urgentemente, voltar-se para cá.

Outro ponto que eu diria que poderia fazer a coisa andar seriam mais curadores plurais e ousados dentro de festivais estabelecidos, que tragam olhares mais abertos, pesquisas mais amplas de artistas, coragem de apostar e dar palco para esses talentos que têm potencial de crescer, mas pouco espaço. Quem é curador sabe o poder que tem em mãos para fazer artistas crescerem, colocando-os em um horário privilegiado no line-up. Conto nos dedos os curadores de festivais que não têm medo de ousar ou mesmo investir num palco menor, custeado, por exemplo, por uma marca, e que faça uma curadoria fora da curva para apresentar novas vozes. O palco HNK no Popload 2024 é um exemplo que cumpriu bem esse papel.

As plataformas de streaming também poderiam ter editorias mais cuidadosas, com o propósito de alavancar carreiras ou mesmo a inclusão em playlists mais bombadas, pois sabem que alguns artistas podem ser apresentados e ir bem estando ao lado de outros mais conhecidos que tenham som similar. Há muitas formas de promover essa igualdade dentro do mercado, é só a indústria querer.

O WME já se tornou uma plataforma e um movimento vital para inúmeras mulheres e pessoas da diversidade na música. Olhando para a trajetória do evento até hoje, qual foi o impacto ou a conquista que mais te enche de orgulho, e qual o próximo grande sonho ou o desafio mais estimulante que vocês miram para o WME nos próximos anos?

Só o fato de estar mantendo o WME vivo, crescendo em iniciativas, impactando vidas e o mercado nesses 9 anos já é uma grande conquista, porque manter uma estrutura dessas sem o poder financeiro de uma grande empresa e garantias de caixa para próximas edições é sempre o nosso maior desafio. O reconhecimento do mercado, que cresce a cada edição entregue, é um fato muito importante também. Pessoalmente, me traz a sensação de que minha missão de contribuição para o feminismo na música está no caminho certo. Costumamos dizer que o WME está reescrevendo a história das mulheres da música do país com a nossa própria narrativa nas mãos. Os próximos anos prometem mais ampliações de nossa atuação e muito estudo para que esse ecossistema todo que criamos seja sustentável financeiramente para dar vazão a todos os planos que temos para o futuro, que não são poucos e são bastante ambiciosos.

Vou citar alguns momentos marcados no meu coração: a valorização de legados esquecidos ou inviabilizados, como os de Elza Soares, Dona Onete, Sandra de Sá e Lia de Itamaracá, que foram grandes homenageadas em nossas premiações em vida; quando impactamos o line-up do Lollapalooza com uma ação em prol de mais mulheres em cima dos palcos; ações como o pitch de novas bandas, que no último teve 775 inscrições de artistas do país inteiro; os mais de 300 empregos gerados na pandemia; e a criação do nosso SELO IGUAL, que chancela iniciativas da música que tenham 50% de trabalhadoras mulheres e vem revolucionando o mercado.

No deepbeep, nossa grande briga é por uma descoberta musical mais humana e menos robotizada. Como curadora que ativamente busca e promove a diversidade de sons e artistas, qual a sua principal estratégia, seu “faro” ou talvez seu “desvio de rota” preferido para encontrar e apresentar ao público talentos e sonoridades que quebram a bolha e que os algoritmos muitas vezes ignoram ou sub-representam?

Eu tenho uma teoria engraçada de que alguns artistas, músicas e lançamentos me encontram sem eu procurar. Estou realmente rindo ao escrever isso, e talvez só eu mesma entenda.

Esse ouvido foi trabalhado desde muito criança. Música sempre foi coisa séria e não era apenas sobre o/a intérprete; os músicos, o produtor musical, por onde foi lançado… isso fazia parte da diversão em saber de onde aquilo vinha. O fato de apresentar música que não se ouve muito por aí me traz um entusiasmo extra. Pode ser até meio vaidoso, mas adoro apresentar um som e a pessoa falar: “Caramba, eu nunca ouvi isso, onde você achou?”.

Agora, no dia a dia, minha pesquisa é ativa, longe da tentação que o algoritmo oferece, e também é bastante focada em música internacional, porque a nacional eu estou sempre muito atualizada e chega mais fácil. Engraçado que acho muita música nova brasileira em sites gringos, e por aqui você nem fica sabendo do lançamento. Aí, essas eu faço questão de ser a primeira a apresentar (risos).

Minha primeira fonte de pesquisa é o Bandcamp, seus programas e editorias nada óbvias. Assino muitos perfis lá de selos e artistas de todo o mundo que me avisam por e-mail quando sai coisa nova. No Bandcamp, me abasteço das coisas mais estranhas e escondidas que não têm muito espaço nos outros lugares. Quando entro no Pitchfork para ver os lançamentos e as escolhas da semana, vejo que já vi muita coisa nas minhas pesquisas ativas (o que me dá um orgulhinho) e ali me abasteço de coisas mais pops do mercado internacional. Pessoas como Gilles Peterson são grandes gurus da música que me apresentam sons novos e antigos. A BBC e seus programas, assim como outras rádios, FactMag, Crack Magazine, The Fader são exemplos de alguns portais de pesquisa. Sigo muitos artistas nas redes sociais e, de plataformas, uso muito o YouTube Music e o Apple Music. Mas nada disso funciona sem o mais importante: uma escuta atenta e seletiva.

Quais são os maiores obstáculos ou as “pegadinhas” mais comuns que artistas, especialmente aqueles de grupos sub-representados, ainda enfrentam para construir carreiras sólidas, autênticas e sustentáveis no mercado musical atual? Que tipo de mudança estrutural ou de mentalidade poderia realmente ajudar a aplainar esses caminhos?

A pegadinha de achar que as pessoas têm que te descobrir e muitas vezes se vitimizar com isso, sem esforço e planejamento estratégico, que muitas vezes não dependem somente de recursos.

Claro que o sistema dificulta muito um artista pequeno a crescer, seja pela manipulação das plataformas com relação aos streams e ao algoritmo, que dificilmente vai te indicar. As playlists que dependem de lobby ou dinheiro para você entrar, os grandes festivais que dificilmente vão te contratar porque você não vende ingressos… Dei uma série de dificuldades aqui. Então, qual é a solução? Acredito no trabalho original, na performance em cima do palco e na criação de fandom, que é a palavra do momento, assim como em seus próprios movimentos, que podem ser: criação de um pequeno selo, uma festa mensal, escolher um lugar que tenha a ver com seu som e fazer apresentações com frequência (loja, restaurante, bar…). Criar as suas oportunidades. O WME é uma prova disso: mulheres sem espaço que criaram seu próprio movimento.

E como você vai atingir essas pessoas com seus lançamentos sem cair nas armadilhas do conteúdo rápido e efêmero, que só vai te criar ansiedade e muitas vezes fazer com que você não acredite em si mesmo por não estar trazendo o resultado que está trazendo para o vizinho? Seguir sua verdade musical, planejamento estratégico, networking, paciência e uma certa cara de pau. Isso vai fazer você avançar nesses obstáculos também. Mas o planejamento estratégico, penso que é o ponto essencial.

Para além do seu intenso trabalho de pesquisa e curadoria profissional, como você, Monique, alimenta sua própria paixão e sua conexão pessoal com a música no dia a dia? Existe algum ritual particular de escuta, alguma fonte inesperada ou um gênero “comfort food” onde você descobre sons que te renovam, te inspiram ou simplesmente te fazem feliz?

A música faz parte da minha rotina praticamente 24 horas por dia, e sou bem eclética dentro do meu gosto pessoal. Cada dia é um dia diferente musicalmente dentro de mim e se transporta para dentro da minha casa, onde passo a maior parte do meu tempo. A música me eleva, me acalma, me conecta e conecta com a minha família, então aprendi a usar a música ou a frequência certa que ela traz para cada momento.

Acordo sempre com mantras para elevar a vibração, descobri as frequências binaurais que me equilibram quando estou com estafa mental ou labirintite, por exemplo. Minha playlist pessoal é recheada de música antiga, que vai dos anos 80, 90, 2000, muitas para cantar. Os artistas de jazz da nova geração da cena inglesa e australiana têm um lugar especial no meu coração, e a música de pista eletrônica também faz parte de mim. Um piano bem tocado me conforta e emociona. Georgia on My Mind, do Ray Charles, For Your Babies, do Simply Red, assim como Azul, da Mahmundi, me fazem chorar em qualquer lugar que eu estiver. Vai entender essa mulher… (risos)

Fotos: Marcos Bacon

Links: Monique Dardennne
Women’s Music Event

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