
A música de Mia Badgyal nasce do corpo e recusa a moldura. Ela cria presença onde antes só cabia rótulo.
Mia Badgyal vem de um território onde nada chega pronto. Quem cresce na Zona Leste aprende a criar com o que tem na mão e a transformar isso em linguagem. A música dela carrega essa vibração. Não é só pista, nem só voz, nem só imagem. É tudo junto, costurado com uma honestidade que não pede licença para existir. Mia entende estética como forma de presença e não como adorno. O corpo vira ferramenta de afirmação. A moda vira extensão da voz. A rua vira arquivo afetivo. Ela canta, produz, performa e veste um imaginário que nunca foi entregue para pessoas como ela. Esse gesto já seria suficiente, mas Mia age em outra camada. Ela cuida de quem se vê nela e devolve à comunidade onde o algoritmo só oferece fragmento. No mundo das trends, insistem para que tudo seja rápido, descartável, viral. Mia responde com outra frequência. Ela escuta devagar, constrói vínculo, sustenta sua própria base de apoio e puxa o underground para o centro da conversa. Cada colaboração abre espaço para mais gente. Cada faixa acende um recado para quem precisa dele. A entrevista e a playlist, logo abaixo, são um retrato desse território que ela cria com a cabeça erguida e os pés na pista. Um convite para ouvir com calma e sem medo de sentir.
Lísias Paiva, editor-fundador
Mia, você é cantora, compositora, DJ e stylist. Como essas linguagens se entrelaçam no seu processo criativo? A DJ inspira a compositora? A stylist ajuda a esculpir a persona que sobe ao palco?
Eu acho que está tudo sempre conectado, procuro fazer o tipo de música que gosto de ouvir e tocar e criar imagens através da moda com as referências de que eu cresci gostando. Saber um pouco de tudo me ajuda a criar minha própria linguagem e a mensagem que quero transmitir. Sou uma mulher forte e meus visuais acompanham essa linha de pensamento.
Grande parte da sua obra celebra o corpo, o desejo e a autoconfiança como ato de poder. Qual é a importância de usar música e moda como ferramentas de construção de autoestima e liberdade, especialmente para a comunidade trans?
Estamos construindo isso agora. A comunidade trans nunca teve tantas vozes à frente para contar sobre a nossa realidade. O que eu faço com as minhas obras é continuar o legado de outras que vieram antes de mim – é muito maior que eu. Falar sobre autoestima, a forma como me relaciono e me posiciono no mundo sendo uma travesti colabora para que a sociedade crie um novo imaginário onde pessoas com os recortes como os meus, de um nicho underground, também podem se encontrar na arte e se expressar.
O deepbeep se inquieta com as bolhas criadas pelos algoritmos. Como uma artista que circula no underground e mantém uma estética tão autoral, como você navega a pressão das trends? Ainda é possível construir uma carreira autêntica sem depender de virais?
É com certeza difícil fazer seu trabalho e alcançar mais pessoas sem o investimento pesado que grandes artistas fazem em redes sociais, mas acredito que o segredo pra quem é independente é ir construindo aos poucos sua base de apoio. Procuro sempre estar interagindo cada vez mais com quem vai chegando pela minha música, para que se sinta pertencente, e isso traz quem gosta de mim para mais perto, acredito também que o boca a boca pode ser efetivo para divulgação do nosso trabalho.
Seu trabalho é marcado por colaborações com outros artistas da cena. O que a criação em comunidade te oferece? Que potência nasce quando diferentes vozes do underground se encontram no mesmo projeto?
Colaborar com outros artistas é algo que gosto de fazer muito, pois me faz expandir a criatividade e as possibilidades da minha música, e sendo uma artista underground, acho que só fortalece mais a cena. É muito importante nos apoiarmos porque isso também cria um novo movimento que vai inspirar artistas menores a se conectarem.
Sua arte, seja na pista ou no fone de ouvido, é um convite à liberdade. No fim das contas, qual é a principal faísca de libertação que você espera que sua música e sua presença provoquem nas pessoas?
Eu quero que todas as garotas trans como eu acreditem, cada vez mais, que é possível fazer arte, se expressar, ser a diva pop que quiserem e que vão romper com as estatísticas que são impostas a nós. A música salva, fazemos arte com excelência e bom gosto, acredito que esse seja meu maior legado.
Acompanhe o trabalho de Mia Badgyal
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Fotos: Mateus Aguiar
Agradecimentos: Pedro Paulo Furlan
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Aqui no deepbeep, cada entrevista vira uma playlist. Cada playlist, um jeito novo de ouvir.
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