
Marina Person fala sobre cinema, rádio e a arte de desacelerar o mundo para escutar de verdade.
Marina Person vive entre dois rituais que parecem resistir ao fim de tudo: entrar numa sala escura e ligar o rádio. Em uma era em que o tempo de atenção virou pó e a cultura só existe se couber em quinze segundos, ela segue acreditando que ver e ouvir são atos que exigem presença. Marina defende a coletividade da sala de cinema, a surpresa do que escapa ao algoritmo, a música boa que salva até o filme mais duvidoso e a necessidade quase física de desligar o WhatsApp para conseguir existir. Esta conversa é sobre isso. Sobre preservar um ritmo próprio em meio ao ruído e encontrar, na mistura entre imagem e som, histórias que realmente mexam com alguém. Para completar, convidamos Marina a criar uma playlist de músicas que contam cenas inteiras sem precisar de imagem alguma. A seleção vem aí. A entrevista está logo abaixo.
Lísias Paiva, editor-fundador
Marina, você é cineasta e curadora de rádio. Onde esses dois ofícios, o de ver (cinema) e o de ouvir (rádio), se encontram no seu dia a dia?
Eu gosto muito de ir ao cinema e também de ouvir rádio. São duas atividades que sobreviveram a essa revolução dos nossos tempos, a internet e tudo o que é “on demand”. São dois hábitos que eu conservo, não tão frequentemente quanto eu gostaria. Eu acho que você assistir a um filme em casa, por melhor que seja seu home theater, não se compara com a experiência coletiva da sala de cinema. A energia, o fato de rir junto, chorar junto, se emocionar ao lado de pessoas que você não conhece e que talvez nunca mais veja na vida. E tem a própria desconexão com o mundo exterior. Entrar numa sala de cinema escura, com uma tela grande, som imersivo, não olhar o celular, não ficar hiperconectado com mensagem, Instagram, TikTok, tudo isso faz muito bem. E o rádio traz coisas que eu não estou esperando, que estão fora do meu algoritmo. E isso, para mim, não tem preço. É maravilhoso. Desde notícias até músicas que não esperava que de repente estão ali. Adoro ouvir rádio, adoro ir ao cinema.
Seja no ‘Cine Drops’ ou nos seus filmes, seu gosto é muito claro. O que faz uma história (ou uma música) ser ‘uma história da Marina Person’? Qual é a sua assinatura?
Eu não sei se sei responder a essa pergunta, porque eu teria que me olhar de fora. Mas acho que sou resultado da minha vivência, da minha vida, da época que eu vivi. Eu fui uma adolescente nos anos 80, sempre fui muito cercada de música brasileira, dessa MPB, com essas figuras máximas da nossa música: Caetano, Chico, Jorge Ben, Gil, Bethânia, Gal, Djavan, Clube da Esquina, Milton, Ney… a lista é enorme. Mas também trabalhei na MTV e tive contato com novas gerações de músicos e artistas incríveis, desde bandas que eu conhecia da juventude, tipo Legião Urbana, Titãs e Nando Reis — que agora está revisitando esse Luau (MTV) que fez com a Cássia Eller. Está muito bonito ver a história se refazendo. Eu sou fruto da minha história. E gosto também muito da curadoria da Eldorado, eles têm um estilo musical que é muito próprio. Quando eu faço meus boletins de cinema e música, os CineDrops, a gente tem uma regra que é: O filme em questão não precisa ser bom, mas a música que vai tocar tem que ser ótima! Às vezes eu aviso: “Olha, esse filme não é nada demais, mas essa música aí é bacana“. Acho que o que faz a minha história ser uma história de Marina Person é a minha própria história, rs.
Hoje a cultura digital é movida pela pressa. O seu trabalho, tanto no cinema quanto na curadoria, exige tempo e escuta atenta. Como você cria espaço para esse processo mais artesanal no seu dia a dia?
Eu vivi muito tempo da minha vida com pressa, fazendo um monte de coisas ao mesmo tempo. E o que eu aprendi é que eu não conseguia curtir, não conseguia aproveitar, porque era sempre uma coisa encavalada na outra. Eu estava sempre preocupada com o que tava no futuro: o que vem depois? E daí, o que eu vou fazer amanhã, mês que vem, ano que vem? Isso me tirava a consciência do presente. A presença. Hoje em dia, eu batalho para ter essa presença. Para falar: “Estou fazendo uma coisa, eu tenho que aproveitar este tempo para fazer esta coisa.” É muito difícil ter essa disciplina em tempos de redes sociais, de hiperconectividade. Mas é necessário fazer um esforço. É como se a gente saísse de casa para fazer ginástica. É uma decisão. Falar: “Vou desligar. Eu não vou atender o WhatsApp.” Vai escrever um texto? Liga o computador, desliga o WhatsApp Web, não fica olhando a cada 5 minutos. Desliga as notificações. É assim que eu procuro fazer essa coisa mais artesanal.
No seu processo como cineasta, o que vem primeiro: a imagem ou o som? De que forma uma trilha sonora te ajuda a encontrar a cena?
Acho que a imagem vem primeiro. Mas às vezes, um som pode mudar tudo. Dependendo da música que eu imagino… É, você tem razão, pode ser o som. Pode ser uma música. A partir de uma música eu penso uma imagem, monto uma cena. Tem músicas que te levam para lugares que você fala: “Ai, eu gostaria de botar isso num filme, ESSA sensação“. Então pode ser que, em alguns casos, o som venha primeiro mesmo.
Você conta histórias há muito tempo, em muitas mídias. Qual é a conversa ou a inquietação que você, hoje, mais deseja provocar em quem te assiste ou te ouve?
Será que eu sei responder a essa pergunta? O que eu quero é justamente conseguir contar alguma história que capture a atenção das pessoas. Mas que também tenha algum poder de transformação. Que toque as pessoas de alguma forma bonita, interessante, importante para elas. Quando alguém vem falar comigo, as reações mais legais são: “Ah, nossa, você fez aquilo, você falou aquilo…” ou “aquele seu filme me trouxe isso e isso, me tocou de um jeito forte“. Acho que é por aí.
Acompanhe o trabalho de Marina Person
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Cine Drops com Marina Person
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Fotos: Gustavo Arrais
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Aqui no deepbeep, cada entrevista vira uma playlist. Cada playlist, um jeito novo de ouvir.
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