Lys Ventura

Com seus vinis como passaporte, a DJ e pesquisadora revela as conexões secretas entre a música jamaicana, a alma brasileira e o futuro da pista global.

Com raízes nos vibrantes bailes de rua, a DJ e pesquisadora Lys Ventura atua como uma rara força de conexão na cultura de pista. A partir de sua profunda pesquisa em vinil, ela se especializou na música jamaicana e brasileira , resgatando narrativas históricas para projetá-las em performances surpreendentes entre o dancehall dos anos 80 e o jungle londrino. Seu trabalho transcende a discotecagem, celebrando a pluralidade e a tradição do soundsystem para criar um espaço de comunidade e libertação sonora. E para sentir essa libertação em primeira mão, convidamos Lys para compartilhar a trilha sonora que a define hoje: músicas que a inspiram, a movem ou que simplesmente não saem do seu repeat. Dê o play, mergulhe na entrevista e sinta a conexão sonora de Lys Ventura.

Qual característica ou som melhor define a vanguarda da cena que você está construindo e impulsionando em 2025?
A pluralidade, com certeza, é uma característica forte. Através dela, eu consigo circular compartilhando diversos pontos de escuta e continuar contando histórias. Acho incrível, por exemplo, poder levar os discos de vinil de música jamaicana para outras pistas além da cultura sound system, onde meu set pode apresentar aos dançantes as produções dos anos 80 que dialogam com as produções de DnB, jungle e outros elementos eletrônicos, assim como relacionar as batidas de dancehall com o coco de Bezerra da Silva ou o funk, além de continuar contando histórias através dos samples e da profundidade da música brasileira.

Para quem quer fugir da mesmice dos algoritmos, qual sua tática ou caminho preferido para revelar e descobrir música nova com verdadeira potência?
Ficar de antena ligada nas plataformas menos convencionais e trocar figurinha com as pessoas. E, fora do algoritmo, continuo gostando de ir a shows e festas onde as atrações não necessariamente são famosas e/ou do mainstream. Tem muito DJ empenhado em apresentar novas pesquisas e muitos artistas talentosos camuflados pelo automático.

Qual sua visão mais otimista, ou seu desejo mais forte, para a evolução e o impacto futuro das cenas musicais com as quais você trabalha?
Meu desejo é que haja mais curiosidade por parte de quem está na cena e mais infraestrutura para quem faz parte dela. Nossa criatividade é mutante e isso é muito inspirador, mas é necessário que ela seja impulsionada também.

Sendo uma mulher na linha de frente da cultura de pista, qual o maior desafio cotidiano e, por outro lado, a maior satisfação que essa posição te traz?
O maior desafio é estar equilibrada com a saúde, seja ela física, mental, espiritual ou financeira. Os obstáculos sociais me trazem muitos aprendizados e um certo tipo de “preparo” nessa trajetória. Somada à minha intensa rotina, por exemplo, devo sair de casa pronta para qualquer situação; não apenas para dar um show e criar memórias maravilhosas para o público (poderia ser, né?), mas às vezes lidamos сom incompetências técnicas alheias, assédios ou até mesmo um dia não tão bom. Faz parte. Por fim, entregar um trabalho que surpreenda, saber que contribuo para histórias legais e que depositam confiança em mim – e, com isso, eu estou crescendo – é, de fato, a minha maior satisfação.

Como você percebe que as novas gerações estão interagindo com a música de pista e os eventos? Existe uma busca ou um engajamento diferente no ar?
As novas gerações estão se movimentando de forma diferente a todo momento. Vejo que eventos híbridos, não só com DJs, estão sendo mais abraçados, e esse é um movimento que gosto de observar, porque nem sempre aquele evento hypado é o que está, de fato, mais engajado. São muitas camadas.

Qual evento ou projeto específico que você realizou te ensinou algo fundamental sobre o poder da música e da festa para criar comunidade e momentos transformadores?
Difícil escolher! Mas a exposição “Jamaica, Jamaica!”, que rolou no SESC 24 de Maio há alguns anos, onde fiz parte da equipe curatorial, com certeza me marcou. Estar envolvida em toneladas de artigos, instrumentos, fotos e documentos de época e ainda poder trazer alguns dos maiores artistas que escreveram essa história, sendo prestigiados por novas gerações, foi emocionante. E também, toda vez que viajo para fora ou mesmo dentro do Brasil, estar em contato com outras comunidades, idiomas, dialetos, artes e paisagens é realmente gratificante. Apesar de tudo ser tão corrido, eu nunca sou a mesma de ontem por causa da música.

Qual é uma verdade dos bastidores da produção cultural independente, ou da vida de DJ/produtora, que você sente que o público geralmente não imagina?
Na maioria das vezes, a gente só tem uma ótima ideia e muita força de vontade, e damos o sangue, literalmente, para fazer rolar, lidando com burocracias complexas que fogem do nosso controle e com pessoas que não estão dispostas a te respeitar no processo, seja ele criativo, operacional ou artístico. Mas, quando as cortinas se abrem, tudo está lindo.

Fotos: PEX

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