
A comédia salva. O drama devolve o chão. Luis Lobianco faz as duas coisas sem pedir licença e ainda canta no meio do caminho.
A conversa com Luis Lobianco começa pela música. Antes do humor, antes do drama, antes do teatro, ele entrega a Playlist do Agridoce, o seu “feijão com arroz”. Diz que ali estão as músicas que compõem o beabá do Brasil, aquelas que atravessam gerações sem pedir licença. É a trilha perfeita para quem vive no território onde alegria e melancolia caminham juntas. A música abre a porta para o resto. Lobianco fala do humor como estratégia de sobrevivência, de como cresceu usando a graça para não afundar na autopiedade. Fala do teatro como encontro entre corpos que contam e corpos que escutam. Fala do risco de criar apenas para os seus, porque arte que vive em círculo vira província. E fala da necessidade de construir subjetividade para personagens que chegam ao roteiro sem garantias. Entre estudo, porosidade e uma boa dose de intuição, ele lembra que rótulos cansam mais do que ajudam. Comédia e drama nascem da mesma matéria. O que muda é a forma de escutar o mundo.
Marcelo Nassif, sócio-editor
Lobianco, sua carreira é marcada por uma capacidade rara de nos fazer rir às gargalhadas e nos emocionar profundamente, às vezes no mesmo papel. Para você, a comédia e o drama são territórios muito distantes, ou nascem da mesma matéria-prima: a observação da verdade humana?
Eu tive dramas na minha vida e, ainda na infância, para sobreviver, precisei lidar com a existência pelo viés do humor. O teatro apareceu cedo e me ajudou a desenvolver senso crítico pra além de só rir de tudo ou existir na autopiedade. Naturalmente esse caminho do meio apareceu nos meus personagens. Há esforço do mercado em etiquetar o gênero do trabalho de um artista, é aí que sou insubordinadamente fluido.
Você tem uma base muito forte no teatro, que tem um tempo e uma relação com o público muito diferentes da TV ou da internet. O que o palco te ensina sobre a arte de atuar que nenhuma outra mídia consegue? É no teatro que você mais se sente em casa como artista?
Entre muitas coisas, o teatro me ensina que é importante estarmos juntos. Com todas as novas inteligências, não criamos nada mais arrojado do que um encontro onde um corpo conta uma história e o outro assimila. Sem dúvidas, o teatro é o meu lugar. Não que eu ache o set de gravação inferior, mas acho que quanto mais pleno ele é, mais se parece com teatro.
O deepbeep se inquieta com a forma como os algoritmos podem nos fechar em bolhas. Como um ator e criador que precisa estar conectado com a realidade, como você faz para se manter inspirado e observar o mundo de forma genuína, para além do que as timelines e as tendências nos mostram?
Eu fujo da bolha da profissão, por exemplo. Claro que naturalmente muitos dos meus amigos são pessoas do teatro ou do audiovisual. Mas tomo cuidado em não criar somente para a minha classe ou viver só essas relações, senão vira província. Não digo que é ruim habitar os nossos núcleos, eles nos fortalecem, mas devem ser um ponto de partida pro mundo. Acho estranho ator que só consome teatro e tela, nosso lugar é a rua.
A música é uma ferramenta poderosa para um ator. Que papel ela desempenha no seu processo de criação? Você a usa para encontrar a energia de uma cena, para construir a “playlist interna” de um personagem ou ela é mais um espaço de relaxamento e inspiração pessoal?
Lá atrás já fui o ator que tinha playlist, perfume e até documento de personagem já inventei e imprimi rs! A experiência me ensinou a me concentrar mais no estudo do texto, investigar como o personagem pensa, ouvir minha intuição e, principalmente, lembrar que tem muitas pessoas criando uma cena comigo. Habitar um universo particular pode não ser generoso, é preciso ser poroso em um set. Poderia dizer que o silêncio é um grande parceiro, mas acontece que meus personagens sempre cantam! Achava que por gostar de música eu sempre inventava esse momento nas minhas peças, mas não, nas últimas novelas que fiz todos cantaram!
Seja em um personagem no remake de “Vale Tudo” ou em um esquete do “Porta dos Fundos”, seus personagens sempre têm um grande coração e uma humanidade que nos conecta. É essa a sua principal busca como artista? Encontrar e emprestar seu corpo para a beleza e a complexidade das pessoas comuns?
Meu ponto de vista é sim a complexidade dos homens comuns, justamente os que não tiveram muitas garantias como eu. Não à toa muitos dos meus personagens no audiovisual não têm casa, família ou relacionamentos. Pra além de decorar suas falas e lhes emprestar verdade, preciso inventar um mundo de subjetividade pra eles, pois não é sempre que vem escrito no roteiro. Tem acontecido do público e dos autores comprarem meu barulho e os personagens virarem gente. O privilégio está até nisso, há personagens com grandes corações pra poucos, outros precisam dar conta de construir o coração dos seus.
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