
A joia como amuleto, a memória como força e o design como uma disrupção delicada contra a rotina.
Tudo começa com pedras. Na infância, Leandro Buarque guardava pequenas relíquias em uma caixinha; hoje, essa mesma fascinação orienta seu olhar como designer. Suas joias transformam memórias de exclusão em motivação e funcionam como amuletos ou armaduras sutis, feitas para acompanhar o corpo com afeto e intenção. Sua criação é uma tentativa de inserir uma disrupção de beleza no cotidiano, um gesto de ressignificação que vai além da estética. Nesta conversa, ele fala sobre esse processo de dar forma aos sentimentos e apresenta a “playlist do estúdio”: uma trilha que vai da delicadeza de Erik Satie à intensidade de Maria Bethânia, espelhando a atmosfera de sua obra. Ouça!
Leandro, seu trabalho como designer parece ser um reflexo de um olhar muito sensível para o mundo. O que, no dia a dia, captura a sua atenção a ponto de virar uma faísca criativa? É uma forma na natureza, um detalhe arquitetônico, uma conversa?
O que mais me fascina, desde criança, são as pedras. Hoje, a arquitetura me inspira muito, mas adoro observar as pessoas. A natureza é minha fuga, é onde minha vista descansa. Mas joias antigas, vintage, me hipnotizam – preciso me controlar, confesso. Quando pequeno, eu tinha uma caixinha onde guardava as pedras que encontrava ou ganhava. Sim, eu pedia para ganhar pedras e amava ir às feiras de rua, sobretudo no Rio de Janeiro, onde passei uma parte gostosa da minha infância. Minha criatividade, meu desenho parte das pedras e formas, mas tenho uma disciplina grande com pesquisa. Livros, revistas, fotos… tenho prints das primeiras eras do Instagram, quando ainda não dava para salvar os posts e quando o Pinterest não era tão popular. Revisito essas referências sempre que preciso: de um hábito, virou parte do trabalho. Amo.
Uma joia é um objeto que acompanha o corpo e carrega significados. Qual é a sua filosofia sobre o ato de se adornar? O que um objeto que escolhemos para usar diz sobre nós e sobre nossos afetos?
Toda relação é individual, é no que acredito. A minha relação com a moda sempre foi de desejo e prática. Nunca imaginei trabalhar com isso, pelo menos até 5 anos atrás, quando a ideia de OLINDO nasceu, ainda que sem esse nome. Dentro das limitações sociais impostas a um homem gay, apesar dos demais privilégios, as joias eram onde eu me expressava. Era sutil, mas poderoso. As joias têm esse poder, ser algo precioso para você, duradouro a ponto de te acompanhar nos dias mais simples, nas batalhas mais temidas. Até hoje, uma joia, por mais simples que seja, me completa, me protege, me projeta. É o que desejo para todas as pessoas. Ela pode carregar uma história de família, de uma viagem, de um amor ou mesmo ter um novo significado, que começa com a gente. Qualquer coisa feita com intenção, para durar, será sempre seu pequeno tesouro, seu amuleto, sua armadura.
O que te move como criador? É o prazer de trabalhar com os materiais, a vontade de contar uma história ou o desejo de criar objetos que façam parte da vida das pessoas?
Hoje eu crio pra ser mais feliz, quero transmitir essa leveza, criar uma intervenção, uma pequena disrupção de beleza em meio à rotina que tem nos engolido. É isso que tem me movido. É nisso que penso quando construímos uma joia, quando criamos nossas campanhas, quando escolhemos nossos parceiros… E acredito que os clientes nos escolhem da mesma forma, como se sentem e querem se sentir. Essa individualidade se tornou algo escasso. É, sim, um traço desejado, mas não perseguido. Afinal, somos estimulados por tendências que podem nos padronizar. E isso me assusta um pouco. Criar é, sim, prazeroso, tem sido pra mim nos últimos anos, mas é um desafio enorme criar sem a resposta imediata das pessoas. É uma entrega que leva tempo e muitas expectativas. Estar presente na vida das pessoas é a resposta que a gente busca, o desejo de dividir o que acreditamos ser tão especial, e que na verdade é.
A música costuma ter um papel importante no processo criativo. Qual é a sua relação com o som enquanto você está desenhando ou produzindo? Ele ajuda a criar uma atmosfera, inspira uma forma ou é um companheiro de silêncio?
Música representa demais, dificilmente fico em silêncio, a não ser no descanso mais intencional. Só trabalho com música, principalmente criando. E, hoje, alguns podcasts também me acompanham nas atividades de rotina, me fazem companhia. A música é atmosfera pra mim, sem dúvida. Traduz o que estou sentindo, me deixa focado ou vem para mudar o clima, me motivar de alguma forma. Não imagino o processo que construímos aqui, para a OLINDO, sem música. É a primeira coisa que faço no estúdio depois de aguar as plantas, antes mesmo do café, e é o ponto alto de qualquer shooting. Música é tema do meu casamento, trocamos faixas e falamos sobre nossos artistas. Música é tema das minhas viagens – de carro, amo dirigir, fujo de avião. Música é tema dos banhos, da mesa com os amigos. A música move a gente.
O nome “OLINDO” remete a uma memória afetiva. Qual é o papel da memória e do afeto no seu processo criativo? Como você transforma uma lembrança ou um sentimento em um objeto concreto?
A memória no meu processo criativo mora num lugar diferente, é menos inspiração e mais motivação. Explico. Hoje, crio joias que, antes, não encontrava ou não eram feitas pra mim. Evoluímos muito, mas não era comum ver um homem de anel há alguns anos, a não ser que fosse uma aliança ou uma peça rotulada como “rústico”. É o desejo de fazer diferente, de fazer as peças que eu queria usar, que tem inspirado a nossa criação. E isso é muito poderoso, sinto que existe essa conexão com as pessoas, com todas as pessoas, não apenas homens. É o que estamos propondo: expressar nossa personalidade com intenção e liberdade. O afeto mora neste ponto também, em reconhecer na memória como nos sentimos agora, como não queremos mais nos sentir e sobre como abraçar essa sensação para criar uma nova relação consigo mesmo. Se a OLINDO conseguir criar novas memórias para os nossos clientes, aí sim, teremos cumprido grande parte da nossa intenção. É isso que nos motiva.
Fotos: Sergio Santoian
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