
Depois de definir seu som, Jaloo se reinventa: menos arquiteta, mais maestro, e sempre uma anfitriã da celebração coletiva.
Jaloo se consolidou na música brasileira como uma alquimista sonora, criando uma ponte única entre as raízes paraenses e o pop eletrônico futurista. Mas, para uma artista movida pela reinvenção, o começo pode ser também o fim de um ciclo. Hoje, seu trabalho, cada vez mais autobiográfico, entra em um novo momento. Ela troca o controle total da produção pelo papel de maestro, buscando na colaboração e no acaso a matéria-prima para novas histórias. Em um mundo de crises, seja a da relevância dos videoclipes ou a da ansiedade das redes sociais, Jaloo vê oportunidades para a criatividade. Nesta conversa, ela fala sobre essa nova fase e como sua maior missão é transformar o palco em um santuário de celebração. Para completar, ela compartilha uma playlist de músicas internacionais que, indiretamente, bebem da majestosa fonte do brega phyno. Sinta o som, além das palavras!
Sua música é uma fusão muito original de tecnobrega e referências da sua terra com o pop eletrônico global. Como funciona essa alquimia no estúdio? Você busca de forma consciente criar essa ponte entre o regional e o futurista, ou é uma mistura que acontece naturalmente no seu processo?
Olha, uma das coisas que eu acho mais incríveis na experiência da vida é o quanto o começo pode ser o fim ou o recomeço de algo. Porque eu tinha a minha produção musical muito atrelada a esses pensamentos. E, ao longo de três discos — e de um quarto em um outro projeto, Os Amantes, eu mudei muito e eu acho que nos últimos trabalhos eu nem pensava mais tanto nisso. Eu acho que muitas vezes eu não penso, principalmente porque o meu trabalho se tornou, ao longo desses anos, muito autobiográfico. Então, além das questões regionais que permeiam de onde eu vim e tudo, há muitas outras questões em relação à composição mesmo que são pessoais e transcendem essas barreiras. Só que eu volto para o começo da minha resposta, porque no meu trabalho futuro, eu estou mergulhando muito em pensar na sonoridade.
Estou pensando novamente na sonoridade, em trazer uma visão sobre o Pará que eu acho que ainda não foi trazida. A gente sempre pode contar histórias novas e é isso que eu estou me propondo agora. Eu compus ontem, olha que engraçado, uma música com o Pedrowl, que é um produtor musical que eu amo e com quem a gente já trabalhou junto também. E eu falei para ele: “Amigo, vamos compor sem computador, sem programa ligado? Pega o violão aí, vamos jogar uns acordes, começar a escrever.” E a gente fez basicamente a música assim, sem nenhum pensamento em relação à sonoridade. A música nasceu e, com o tempo, a gente empregou a sonoridade. Então foi um trabalho meio contrário, mas que dá muito certo também.
Seu trabalho visual, nos clipes e no palco, é tão potente quanto a sua música. Para você, a imagem e o som nascem juntos? Ou uma canção já nasce com uma cara, uma cor e um figurino na sua cabeça?
Uma coisa que eu posso me orgulhar e dizer que eu tenho esse privilégio é não parar de ter ideias. Eu tenho uma ideia a todo momento. É uma coisa que é muito louca e que eu amo. Quando eu vejo nascer, eu sinto até como algo mágico. Qualquer coisa, até sobre o trabalho de outras pessoas, eu sempre estou tentando pensar em alguma coisa que torne aquilo especial. E o meu trabalho é assim.
Então, a relação do visual, tudo nasceu com uma fluidez, com um abraço aos acasos. Às vezes eu vejo as coisas acontecendo, assim, diante de mim, e eu enxergo até algo meio espiritual, assim, do quanto as coisas naturalmente já caminham para certos lugares. E foi muito assim em todos os meus trabalhos. Agora a gente está vivendo uma crise…
Mas eu tento abraçar as crises. A crise agora é sobre a questão do visual, o videoclipe. Os custos de fazer um videoclipe são cada vez maiores e, ao mesmo tempo, o apelo do público para videoclipes está cada vez mais baixo. O público não senta mais para assistir a um videoclipe. Então, eu abraço essas dificuldades para tentar pensar: “Tá, como é que eu faço para que as pessoas se sentem e queiram assistir ao videoclipe? Ou então, além da linguagem do videoclipe, o que mais existe que pode ser muito interessante e instigar de alguma forma?” A gente tem a questão da tela, que era horizontal e agora é muito mais vertical.
Eu estou pensando muito sobre isso atualmente, tentando abraçar isso, porque eu, como muitas outras pessoas desse mundo, estou enxergando o mundo através de uma tela 16:9 na vertical. E a gente não gosta de virar essa tela. Então, são desafios que eu tento abraçar e pensar de alguma forma criativa e abraçar o acaso junto.
Como uma artista que transita por tantos nichos diferentes, como você faz para descobrir as referências (musicais, visuais, de moda) que alimentam o seu universo, fugindo do que as tendências óbvias nos mostram?
Essa resposta é fácil, é o botão “não tenho interesse”. Eu uso esse botão centenas de vezes por dia, desde, sei lá, um tanquinho, um corpo que eu falo: “Chega, não preciso estar vendo isso, não.” Não que eu não goste, eu adoro, mas eu não vou tornar a minha timeline, o meu mural, uma coleção de corpos.
Eu acho que tem coisas mais interessantes para investigar ali, então eu uso esse botão milhares de vezes. Milhares, eu acho que é exagerado, mas muitas vezes. E ele acaba criando essa curadoria muito mais focada no pós-algoritmo. O algoritmo me sugere e aí eu falo não. Aí ele me sugere outra coisa e eu falo não. E aos poucos, com base também no que eu vou curtindo, no que eu vou prestando mais atenção. O resultado desse cálculo é algo que me instiga diariamente. Eu vejo muito conteúdo de produção musical todos os dias.Tem uma galera muito legal que ensina de forma muito rápida truques de mixagem, masterização.
Eu tenho álbuns, estou falando particularmente do Instagram agora, que eu acho que é o lugar onde eu mais perco tempo, porque também é o lugar onde eu trabalho, onde eu me divulgo, então eu acho que eu tenho que entender um pouco. O TikTok eu acho maravilhoso, também faço as mesmas coisas, mas eu acho um ambiente muito mais saudável. O Instagram, eu me sinto um pouco ansiosa, estranha. Às vezes eu sinto que é hora de largar. O TikTok eu não quero largar e, até por isso, eu excluí esse aplicativo do meu celular, porque eu falei: “Eu não vou fazer mais nada da minha vida, porque esse lugar está se tornando cada vez mais mágico para mim.”
Você é e sempre foi produtora e arquiteta do seu próprio som. Qual é a importância dessa autonomia para você? Ter o controle total das batidas, dos timbres e das texturas é o que te permite chegar à sonoridade exata que você imagina?
Eu estou tentando mudar isso, sabia? Eu acho que eu já arquitetei demais o meu som. O último disco que eu entreguei foi totalmente produzido por mim. Produzido, composto e cantado por mim. Então eu já cumpri essa missão. E eu acho que eu estou num lugar agora de maestria.
Eu percebo muito potencial em outras pessoas, outros artistas, outros músicos, outros compositores. E eu acho que eu tenho esse lugar de trazê-los para o meu trabalho. Não de moldá-los, mas de fazê-los perceber esses potenciais, ressaltar esses potenciais e criar algo novo e mágico.
Mas muito mais num lugar… É que eu não quero falar tão bem de mim, mas num lugar mais sábio mesmo, de quem já conhece, de quem já sabe o que é necessário para estruturar uma boa música. Então, a minha nova… a proposta de forma de trabalho que eu estou fazendo a mim mesma é me colocar nesse lugar mais de maestro, de maestria.
Sua arte é uma celebração do corpo livre, da identidade e da festa como espaço de afirmação. Qual é a principal sensação ou a principal liberdade que você espera que sua música e sua performance despertem em quem te ouve e te assiste?
Tem uma coisa que todos os dias… Tá, nem todos os dias, mas sempre que eu lembro, eu respiro fundo e me sinto grata. Que é o público que se formou em torno do universo que eu apresentei para eles. A gente já lotou a Audio Club duas vezes. Esse último show que eu fiz do “3 Eras”, que é um show onde eu apresento os três discos, foi mágico e eu sinto muito essa atmosfera de que ali todo mundo é acolhido, assim. De que tem uma… ah, eu não queria usar essa palavra, mas é uma bolha mesmo, assim. “Aqui vocês estão protegidos, vocês estão nas asas da mãezinha.” E aqui a gente pode chorar, gritar… dançar. Eu tenho muito esse foco.
Eu percebo muito os fãs, o público, olhando para mim. Sei lá, se eu vou para um lado do palco, se eu vou para o outro, se eu levanto o braço. Eu percebo os olhares acompanhando. Mas eu também percebo as pessoas que esquecem que eu estou ali e focam totalmente na música. E eu amo esses dois. Eu me proponho a apresentar algo que cria essa espécie de mágica, né? Eu estou usando muito essa palavra, mas essa mágica da conexão com o som, das sensações para além da visão, da audição… Sei lá, eu acho que é muito uma celebração da vida mesmo, da existência, do coletivo.
Eu acho que viver é muito estar entre outras pessoas e não tem nada mais incrível do que estar num palco com milhares de pessoas conectadas com um propósito em comum e se divertindo. No final, é só isso que eu quero, que tanto eu quanto todo mundo se divirta. A vida já é muito intensa e difícil para que o meu show também seja.
Então é só diversão.
Fotos: Caia Ramalho
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