
Contra a tirania das trends, ela propõe a moda como um santuário de cura, identidade e pertencimento, onde a música é memória e o estilo, um diagnóstico da alma.
Para o criador e pensador de moda Gabb, a roupa é menos sobre tendência e mais sobre diagnóstico. Ela é a idealizadora do “Ambulatório da Moda”, um projeto que encara o estilo como um processo de cura e de construção de identidade. Com uma abordagem que ele mesmo define como uma “leitura de signos”, ele utiliza a música, a memória e as sensações como ferramentas para traduzir a essência de uma pessoa em imagem. Crítica da uniformidade das aesthetics e do consumo rápido, defende uma moda com história e pertencimento, nascida da sua própria experiência — a de quem, um dia, se sentiu longe dos grandes centros. Nesta conversa, ele fala sobre sinestesia, o poder de locomoção da música e por que seu trabalho é um refúgio para quem sempre quis fazer parte da moda. E é nesse espírito que, reconhecendo como ‘além das roupas, a música também narra quem somos’, convidamos Gabb a compartilhar sua ‘playlist-identidade’ com músicas que definem tanto o seu processo criativo quanto o seu momento atual. Para desvendar essa identidade, dê o play na playlist e leia a entrevista.
O “Ambulatório da Moda” parte de uma ideia muito potente: a moda como cura e identidade. Como funciona na prática esse processo de “diagnosticar” a essência de alguém e traduzi-la em um guarda-roupa?
Eu sempre fui muito apaixonado pela “construção imagética”, sempre foi algo mágico para mim. Então, nesse universo de criação, o guarda-roupa é muito importante e vira uma chave de possibilidades e alternativas. O “diagnóstico” aparece mais como uma leitura de signos, quase que uma etiologia fashion.
Você já comentou sobre a importância da música no seu processo. Como a playlist de uma pessoa pode revelar mais sobre o estilo dela do que um moodboard de referências? De que forma o som te ajuda a enxergar a imagem?
Eu sou apaixonado por todas as formas de comunicação, mas a música tem um peso maior nessa arte porque ela é também um meio de locomoção. Então, a partir de uma música, você consegue viajar pelo tempo, pela metáfora, pelo espaço e, principalmente, pela memória. Gosto de usar a música para passar sensações. Quando eu falo “se eu fechar bem meus olhos eu consigo escutar Maria Bethânia”, é porque eu quero que as pessoas sintam a sinestesia em minhas palavras, por meio da descrição de uma roupa por um sentimento que mora dentro de todos nós.
Seu trabalho é o antídoto para as tendências de fast-fashion ditadas por algoritmos. Como você enxerga essa briga entre o consumo rápido de trends e a busca por um estilo que tenha história e significado?
Primeiramente, obrigado pelo elogio da primeira frase. Quando eu vejo a nova geração afundada nas trends, nas cores e nas aesthetics, eu bato na perna e inclino para trás. Acho que estilo é uma construção de ideia e de acervo, não tem nada de rápido nisso. Fico com pena da nova geração não poder se identificar com tribos e poder construir sua própria identidade a partir delas. Acho que isso vai ter um peso cultural muito negativo lá na frente. Todo mundo igual usando alfaiataria com 18 anos… tempos sombrios.
Quando você começa um novo projeto criativo, qual costuma ser a faísca? Uma canção, uma cena de filme, uma memória, uma peça de roupa esquecida? Onde nasce a inspiração para além do óbvio?
Eu amo a “planta que nasce do concreto”, ou seja, a ideia que nasce apesar da inospitalidade. Para mim, quanto mais longe vem a ideia, mais ela me parece plausível. Semana passada mesmo eu estava assistindo The Iceman, novo projeto visual do Drake, e tem uma hora que ele sai dirigindo um caminhão de gelo pelas ruas de Toronto fazendo uma live… Achei incrível ele trazer a performance para engrandecer sua narrativa na música. Podemos dizer que me inspirou para o meu próximo projeto, que ainda é só uma ideia, não foi nem para o papel ainda… mas estou animado.
No final, qual é o sentimento ou a transformação que você espera provocar em quem passa pelo seu “Ambulatório”? É sobre confiança, sobre liberdade, sobre pertencimento?
Eu quero que o Ambulatório seja uma grande celebração da moda, quase um santuário para todas as pessoas que sempre quiseram poder fazer parte da moda. Ele me leva de volta para Juiz de Fora, onde eu queria pertencer, mas não fazia ideia como. Quando eu assistia ao Vídeo Show ou ao Fashion Police, eu me sentia nutrido no meio das montanhas de Minas Gerais, longe da Globo e do SPFW. Eu quero ser esse lugar, para essas pessoas.
Fotos: Tarricone
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Ambulatório da M.O.D.A.