Dandarona

Para a DJ e pesquisadora, a pista de dança é um lugar de memória. Uma conversa sobre garimpo afetivo, a magia da imprevisibilidade e como transformar uma história pessoal em experiência coletiva.

Dandarona é uma DJ e pesquisadora que trata a música como um diário e a pista de dança como um espaço de partilha. Seu “garimpo” não acontece em porões empoeirados, mas no cotidiano, em um contato diário com os sons que a cercam. É a partir daí que ela constrói narrativas que buscam a emoção e a imprevisibilidade, criando uma tensão particular entre a agressividade dos beats e a fluidez das ambiências. Sua trajetória, que vai do piano na igreja à transição de gênero, tem a música como fio condutor e principal forma de expressão. É esse repertório afetivo que ela usa como uma ponte para se conectar com o público. Nesta conversa, Dandarona fala sobre seu processo de pesquisa e como, no fim, cada set é um convite para que o público embarque em um “filme” sobre sua própria história.

Seu trabalho como DJ e pesquisadora é, na essência, um ato de garimpo. O que, em geral, desperta sua atenção quando você está pesquisando? É uma batida, uma melodia, ou uma textura sonora que te diz que aquela faixa precisa ser compartilhada?
Sem dúvida, é um verdadeiro ato de garimpo. Meu processo de pesquisa acontece no dia a dia. Faço questão de integrá-lo à minha rotina, porque, para mim, a música está justamente nesse lugar: no cotidiano, nas vivências, no que está ao nosso redor o tempo todo. Claro que existem momentos em que paro para ouvir algo mais específico, especialmente quando estou me preparando para uma gig. Mas esse contato diário com diferentes sonoridades me ajuda a refinar o ouvido e a construir uma espécie de “timeline” sonora. Já passei por fases em que estava muito focada em elementos bem pontuais, como certos tipos de kick, e desenvolvi toda uma pesquisa em cima disso. Atualmente, tenho me interessado mais por ambiências, explorando sintetizadores, strings, pianos, como fiz no remix de Just Two, da Rose Gray, ou no remix de BASSDIVA para o Victin, que ainda não foi lançado. No fim das contas, o que me faz querer tocar uma faixa é a emoção que ela me provoca. É isso que guia minha curadoria e me motiva a compartilhar determinada música com o público.

O set que você gravou tem uma narrativa muito clara. Qual foi a viagem que você propôs? Que tipo de clima ou paisagem sonora você quis desenhar para o ouvinte?
Quis explorar ambiências com sintetizadores que criassem uma sensação de imersão e fluidez. Busquei construir um espaço sonoro em que os beats tivessem uma certa agressividade, mas sem perder o aspecto atmosférico. Existe uma tensão entre impacto e leveza que me interessa muito. O resultado é uma mistura que passa por diferentes referências dentro da música eletrônica: tem elementos de techno, raptor house e trance. Tento brincar com esses gêneros de forma livre, criando uma narrativa sonora que convida tanto à introspecção quanto à pista.

Hoje, os algoritmos criam bolhas que podem limitar nossa descoberta musical. Como você, como especialista em conectar gêneros e épocas, tem enxergado nosso momento? Estamos perdendo a capacidade de se surpreender com a música?
Acho que o algoritmo desempenha uma função interessante na facilitação do acesso a estilos musicais de forma personalizada e que, se fossem buscados por conta própria, talvez não fossem encontrados tão facilmente. Porém, eu acredito que a imprevisibilidade e a descoberta de estilos sonoros diferentes podem ampliar nosso repertório, e isso pode acabar ficando em segundo plano. Como uma seletora musical, acredito que, se a gente personalizar demais nossa procura, acabamos entrando em “ciclos sonoros” e em um looping, nos tornando muito previsíveis. E, para mim, a imprevisibilidade também é a magia para o desenvolvimento sonoro. No fim, не acho que estamos perdendo a capacidade de nos surpreender, mas, de fato, estamos mais condicionados.

A gente acompanha sua trajetória e percebe que sua pesquisa sempre foi muito autoral. De quando você começou a tocar profissionalmente até hoje, como sua relação com a música e seu processo de garimpo evoluíram?
Meu contato com a música começou ainda muito nova, tocando piano na igreja. Depois que entrei na universidade, me afastei do ambiente cristão e iniciei meu processo de transição de gênero. Foi nesse momento que a música passou a ser ainda mais essencial para mim… virou um escape, uma forma de expressão artística e emocional. No começo, meu foco estava muito no disco e na house music, que têm uma forte ligação afetiva com a minha infância, com o que eu ouvia em casa através dos meus pais. Com o tempo, fui amadurecendo como artista e entendendo que meu gosto era ainda mais amplo. Hoje, me reconheço como uma DJ e produtora eclética dentro do universo da música eletrônica. Não me considero uma DJ open format, mas sou, acima de tudo, uma pessoa apaixonada por música eletrônica, em todas as suas camadas e possibilidades.

Qual é a conexão mais importante que você busca criar através da sua música? É entre a pessoa e uma pista de dança imaginária, entre o passado e o presente da música, ou dentro da própria pessoa, despertando alguma memória ou emoção?
Acredito que todo mundo carrega um repertório de músicas que guarda uma memória afetiva de um lugar, um momento, uma fase da vida. Eu, como uma pesquisadora sensível, tenho buscado trazer para o meu trabalho elementos que me conectam com o meu passado, com a minha vivência antes de tudo isso acontecer, com a minha família e minhas raízes. Na pista, tento criar essa ponte. Quero que as pessoas entrem na minha pira, que embarquem comigo nesse lugar íntimo. E, quando isso acontece, é como se uma pista inteira tivesse acesso a um “filme” sobre quem é Dandara Luz, antes mesmo da persona e da artista DANDARONA. É uma forma de contar minha história através do som, de transformar memória em experiência coletiva.

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