
A artista que grava a memória na fita. Uma arqueologia sonora para tempos acelerados, que exige calma e escuta profunda.
Concepción Huerta esculpe o tempo. A artista sonora mexicana, um dos nomes essenciais desta edição comemorativa de 15 anos do Festival Novas Frequências, transforma fitas magnéticas, ruídos e gravações de campo em paisagens sonoras fantasmagóricas e melancólicas. Seu trabalho com tape loops degradados, reconhecido internacionalmente, é uma arqueologia da memória que ressoa com a busca do deepbeep pela escuta profunda. Em suas mãos, o desgaste não é perda, mas sim textura viva, um convite a desacelerar. Como apoiadores do Festival, celebramos a chance de presenciar essa alquimia ao vivo. As apresentações dela no Parque Lage (Rio, 6/12) e no Acervo Theatro Municipal (São Paulo, 13/12) são essa experiência física e espacial única, onde o risco e o acaso revelam a beleza escondida no som. Como um portal para esse estado entre o sonho e a memória, ela nos presenteia com a “Playlist da Memória Sonhadora”.
Lísias Paiva, editor-fundador
Concepción, sua vinda ao Brasil para o Festival Novas Frequências é aguardada. Suas gravações criam atmosferas íntimas e envolventes. Como você enfrenta o desafio de transpor esse universo tão textural para a intensidade e o imprevisível de uma apresentação ao vivo?
A apresentação ao vivo é fundamental para mim, porque todas as minhas composições surgem das gravações, dos registros em fita e da forma como os processo. Me interessa esse espaço onde há risco e variação: uma estrutura flexível que se transforma com o entorno, o espaço e até com a energia de quem escuta.
Sua marca como artista é o uso de tape loops e de sons que parecem carregados de memória. O que te atrai nessa estética do desgaste, da repetição e da imperfeição? Como isso se conecta com a passagem do tempo e a transformação da lembrança?
Para mim, as variações e os erros são achados. Acredito sinceramente que as composições não têm que ser perfeitas, mas sim que devem acontecer. Quando você grava muitas vezes sobre uma mesma fita, sempre ficam rastros das primeiras camadas, uma espécie de espectros ou fantasmas sonoros. A deterioração do material com o tempo e as diferentes formas de reprodução geram uma textura viva. Trabalhar com registros é trabalhar com a memória; é uma forma de materializar a passagem do tempo no som.
No deepbeep, nos inquieta como os algoritmos favorecem a música mais imediata. Seu trabalho, em troca, pede paciência e entrega. Como você vê o lugar de uma obra tão atmosférica e sem palavras em uma cultura digital acelerada e muitas vezes superficial?
Embora existam muitas fórmulas para produzir música de consumo rápido, também há artistas profundamente comprometidos em criar obras sonoras de grande beleza e profundidade. Pessoalmente, continuo ouvindo música que me conecta desde o primeiro instante e presto atenção àquilo que me convida a ficar ali. Faço música porque desfruto de mergulhar no som. Minha prática me deu infinitas possibilidades criativas e apenas sigo o impulso do que desejo explorar na composição. Não me preocupa se não há letras: o que me interessa é que a experiência sonora realmente toque o ouvinte. Nestes tempos difíceis, precisamos de calma, escuta profunda e presença.
Suas composições parecem feitas de fragmentos, ruídos, timbres e registros do mundo cotidiano. Como funciona seu processo de colecionar e transformar esses sons? O que faz com que um detalhe sonoro, quase invisível, se converta em matéria para sua arte?
No início, eu fazia muitas gravações de campo para minhas composições — por exemplo, em Personal Territories, Lost Time ou Silence is Violence. Hoje meus processos mudaram: gravo diretamente sobre fita magnética em um gravador de quatro pistas, combinando sinais e instrumentos como sintetizadores, e depois misturo com outros elementos. A soma de todos esses materiais cria as atmosferas profundas que caracterizam meu trabalho sonoro.
Sua música provoca um estado entre o sonho e a memória, como se fosse uma lembrança distante. Que paisagem mental ou que sensação você quer despertar em quem a escuta?
Só quero abrir um espaço para escutar. O som, ao ser tão intenso e atmosférico, leva o ouvinte a um estado profundo. O mais importante para mim é que as pessoas se conectem com o som. Gosto de trabalhar com evocações sonoras a partir de temas, perguntas ou textos e a partir daí criar as dimensões da paisagem sonora. Mas sempre faço isso de maneira aberta, para que quem escuta seja parte dessa dimensão.
Serviço: Festival Novas Frequências 15 anos
3-7 de dezembro no Rio
8-13 de dezembro em São Paulo
Line-up de “A a Z”, formato completo, divisão por cidades e ingressos no ar (exceto os do Sesc Paulista, que abrem 2/12). Acesse o site: https://www.novasfrequencias.com/
Concepción Huerta se apresenta no Parque Lage (Rio, 6/12) e no Acervo Theatro Municipal (São Paulo, 13/12)
Apoio: deepbeep
Acompanhe o trabalho de Concepción Huerta
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Concepción no Novas Frequências
Você também pode escutar a playlist no Deezer, Apple Music, YouTube e Amazon Music
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