
Para o jornalista e escritor, as melhores histórias não vêm do algoritmo, mas da rua, do brilho do extraordinário e do fascínio por uma boa mentira.
Chico Felitti é um arqueólogo de narrativas. Ele escava o cotidiano em busca de personagens e acontecimentos que a maioria de nós não vê, revelando o brilho extraordinário que se esconde em histórias à margem. Seu campo de pesquisa não é o feed, mas a rua; sua matéria-prima são as complexidades humanas, e ele admite um fascínio especial pela mentira como ponto de partida para entender nossas fragilidades. Com um faro apurado para o inesperado e um texto que transforma reportagem em literatura, ele se tornou uma das vozes mais originais do jornalismo narrativo e do podcast no Brasil. Nesta conversa, ele fala sobre o que faz uma história brilhar, seu personagem dos sonhos e por que suas melhores descobertas, musicais ou humanas, acontecem longe das telas.
Chico, o que uma história precisa ter para te fisgar de primeira?
Acho que toda boa história brilha. É meio difícil de colocar numa receita, mas geralmente esse brilho vem do extraordinário. Daquilo que é muito inesperado e fora do comum. Pode ser uma pessoa que, por causa da sua aparência, perdeu o direito de ter um nome. Pode ser uma senhora numa casa abandonada em Higienópolis. Uma boa história é aquela que te contagia, e faz querer você contar pros amigos no bar.
Qual a maior mentira que você já ouviu e te fez pensar: “Isso daria uma boa história”?
Eu amo história de mentira. E tem muitas quicando por aí, então não consigo ficar em uma só. Mas sou fascinado por gente que diz ter sido astronauta, e não foi. Ou que inventa currículo e consegue emprego bom, só pra mostrar o quanto é frágil tudo o que a gente acredita. Mas uma mentira que me prendeu recentemente foi de uma pessoa que se passou por padre numa cidade do interior. Ficou 30 anos comandando uma igrejinha minúscula até que, um belo dia, chega um outro padre. E revela que a cidade tinha ficado sem padre responsável por esse tempo todo, por falta de recurso da Igreja. O truqueiro que se apresentava como padre era só um sujeito da cidade vizinha que pegou uma batina velha no armário da sacristia e meteu o louco.
Se você pudesse entrevistar qualquer personagem da história, quem seria e qual a primeira pergunta que faria?
Que pergunta maldita ahaha. Depois de uns 20 minutos congelado, olhando pra parede, eu acho que cheguei num nome: Clarice Lispector. E ia perguntar o que ela acha de botarem tanta frase que ela não disse na boca dela. Mas daí eu teria que explicar também o que é internet.
No deepbeep, celebramos a curadoria pessoal. Como você descobre novas músicas ou artistas que realmente te tocam e inspiram hoje, talvez buscando caminhos que fujam das tendências mais massificadas ou das sugestões algorítmicas?
Cara, meu algoritmo é a rua. Sempre foi. Sou péssimo de tecnologia, então costumo descobrir som novo quando estou andando pelo Brasil. Outro dia estava no Paraná, numa feira de rua e ouvi “Crina Negra”, da Banda Patrulha, e agora estou ouvindo sem parar. Então, as descobertas dependem muito de por onde eu ando naquele momento da vida. Como agora tô fazendo muitas viagens pro interior, no momento tô afogado em música sertaneja, que eu sempre amei.
Fotos: Ana Weber