Chico Correa

Chico Correa

A força que atravessa o tempo e insiste no presente. Chico Correa e a escuta que transforma memória em pulso.

O trabalho do Chico Correa desloca a ideia de tradição. O som deixa de ser arquivo e passa a ser matéria que se move. Ele puxa um fragmento antigo, sustenta uma textura contínua ou tensiona um ritmo até que outro tempo de escuta se abra. Nada é fixo. Nada é museu. Tudo respira. Como apoiadores do Festival Novas Frequências nesta edição de 15 anos, ampliamos a chegada dessa apresentação no Parque Lage no dia 6 de dezembro. O Aboio Drone concentra o gesto que define o Chico Correa. O material ancestral não é tratado como lembrança. Ele vira presença, vibração contínua, estado. É a partir dessa força que abrimos esta conversa. A entrevista e a playlist criadas por ele seguem abaixo e convidam para essa escuta que atravessa tempo, memória e invenção.

Lísias Paiva, editor-fundador

Você se apresenta em dezembro no Novas Frequências, um festival que celebra a experimentação. Como você enxerga o lugar da sua música, que é tão rítmica e muitas vezes feita para a pista, em um contexto mais vanguardista? A dança pode ser também uma forma de escuta experimental?
Apesar de ter desenvolvido artisticamente mais a música para pista, com intersecções nas tradições nordestinas, eu sempre tive a experimentação como uma linha paralela de trabalho. Pude colaborar em projetos de música contemporânea e experimental, de improvisação livre, participei de residências artísticas e estudei Composição Musical na UFPB, experiências e perspectivas bem diferentes.
É outra abordagem e experiência de escuta em que me sinto à vontade para performar. O foco é mais contemplativo e introspectivo, porém quem quiser dançar também pode.

O deepbeep se inquieta com a forma como os algoritmos podem achatar as especificidades culturais. Como um artista que trabalha com ritmos tão brasileiros como o coco e a ciranda, você vê o desafio de fazer essa música existir em plataformas globais sem que ela seja lida apenas como exótica ou como rótulo de world music?
Acho que esse tipo de música sempre existiu e persistiu à parte de qualquer mercado ou tecnologia de difusão. São tradições orais repassadas coletivamente, reinterpretadas, recicladas e remixadas pelos brincantes e mestres durante várias gerações. Sinto que o streaming acabou virando uma cilada, uma espécie de apagamento de memórias culturais. Não temos acesso aos detalhes nem à história de uma produção discográfica, por exemplo. Não creio que o streaming seja solução econômica e muito menos democrática. Imagino que, em breve, as pessoas vão voltar a valorizar ter seus acervos em produtos físicos, como vinil, CD e fita cassete, e áudios em hard disks, em vez de depender de tendências impostas por big techs e arquivos na nuvem.

Sobre o termo world music, acho limitante e colonialista. Para trabalhos como o que faço, foco no nicho de quem curte e difunde esse tipo de música e na relação direta com a comunidade musical, sem me preocupar demais com plataformas.

O sample é uma ferramenta central no seu processo. Como é a sua relação com os arquivos e as gravações que você usa? É um processo de arqueologia, de garimpar sons esquecidos ou de diálogo em que você busca responder a esses sons do passado com ferramentas do presente?
Me inspiro a partir de fragmentos de sons garimpados em discos antigos. Tenho ido com meu sampler pesquisar sons em lojas de vinis ou acervos de amigos. Dou play nos discos, coleto timbres e loops e levo tudo para desenvolver no meu estúdio. A partir dos samples, crio beats, pequenas estruturas ou texturas que servem de base para gravar instrumentos e desenvolver programações. Dos vinis, gosto dos sons velhos, sujos, com personalidade. Isso cria um bom contraste quando combinados com sons eletrônicos de sintetizadores e beats com timbres sintéticos.

A relação com a fonte sonora varia. Às vezes busco referências culturais específicas, como um ritmo. Outras vezes sigo apenas o interesse pelos sons que encontro, para depois reorganizá-los e criar algo novo. Há alguns anos, pesquisando toques de capoeira e timbres de berimbau, acabei desenvolvendo o EP Berra Boi, que mais tarde virou um projeto de live.

Chico, seu trabalho é uma ponte entre a cultura popular do Nordeste e a música eletrônica global. Qual é a principal função da sua arte hoje? Como você navega entre apresentar a riqueza da tradição e transformá-la em algo novo?
Para mim, sob o ponto de vista de um nordestino, são as referências com que cresci ouvindo. É mais natural pensar em um ritmo de baião do que em house, por exemplo. Não tenho pretensão de renovar ou me colocar como salvaguarda da tradição. Eu a revisito, reverencio e me inspiro nela para fazer música do jeito que imagino e consigo executar. Sou apenas um ponto de vista artístico entre muitos outros artistas que seguem caminhos similares.

Da minha geração, são referências o Maga Bo, DJ Dolores e Ramiro Mussotto, cada um em suas singularidades, dialogando com a música popular brasileira.

Serviço: Festival Novas Frequências 15 anos

3-7 de dezembro no Rio
8-13 de dezembro em São Paulo

Line-up de “A a Z”, formato completo, divisão por cidades e ingressos no ar (exceto os do Sesc Paulista, que abrem 2/12). Acesse o site: https://www.novasfrequencias.com/

Chico Correa se apresenta no Parque Lage no dia 6 de dezembro.

Apoio: deepbeep

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Fotos: Rafael Passos

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