Xênia França

Xênia França

A voz como ferramenta de lembrança e de imaginação. A música de Xênia França reorganiza o que somos para abrir espaço ao que ainda pode existir.

Xênia França cria a partir de um território difícil de enquadrar. Muitos tentam definir sua obra como espiritual, futurista ou pop. O que realmente a move é uma atenção delicada ao tempo, ao corpo e ao invisível. Essa escuta generosa sustenta a sua ideia de tecnologia ancestral, uma forma de existir que atravessa a música e o cotidiano. A obra dela não disputa com a pressa. A escolha é por um ritmo que respeita o próprio pulso. Na música da Xênia, o sagrado encontra lugar nos gestos simples e a memória abre portas para o que ainda pode acontecer. Ela compõe e canta unindo presença, história e desejo com uma naturalidade que aproxima, nunca afasta. No palco, essa sensibilidade ganha corpo. As músicas mudam de forma, respondem ao público e revelam camadas que não aparecem em estúdio. A cada show, Xênia reencontra a própria voz e cria um espaço onde quem ouve também pode se reconhecer. A conversa completa sobre presença, cuidado e a força da música em um tempo que dispersa está logo abaixo. A playlist do “Ritual Sonoro” que acompanha a entrevista é o convite exato para sentir com calma o que Xênia coloca no mundo.

Lísias Paiva, editor-fundador

Xênia, sua obra sempre trafega entre o espiritual e o futurista, o íntimo e o coletivo. Para você, qual é o verdadeiro papel da música hoje? Ser guardiã da memória ou portal para futuros que ainda não existem?
Nunca fui tão pretensiosa a ponto de me colocar em algum lugar. E, apesar de relacionarem meu trabalho com o Afrofuturismo, nunca fiz uma pesquisa direta sobre isso. Sempre fui curiosa sobre o mundo do invisível, questionadora da existência, olhando pra cima.

Música pode ser tudo isso ao mesmo tempo, mas não precisa de rótulos. Ela, em si, é a tecnologia ancestral, a própria memória. A energia viajando no espaço-tempo. É o veículo para contar nossas histórias, dores, celebrações e, ao mesmo tempo, uma antena que capta o que ainda não chegou. Cantar, para mim, é estar na travessia. Meu objetivo é encontrar a mim mesma, juntar os cacos da minha existência e me reorganizar de dentro pra fora, encontrar minha voz. O som tem o papel de ser esse portal, algo totalmente espiritual. Então, talvez o papel da música hoje seja esse: me lembrar e sonhar ao mesmo tempo, para que eu não me perca do essencial, e imaginar outros mundos possíveis.

No álbum ‘Em Nome da Estrela’, você traduziu fé e espiritualidade em linguagem pop, revisitando clássicos. Agora, com os singles recentes e o EP ‘We4Sessions’, como você enxerga essa sua assinatura de transformar o sagrado e o ancestral em algo contemporâneo e universal?
Sinto que esse é meu lugar natural de criação, um ponto de encontro entre o invisível e o material. O sagrado não está alheio a mim; ele se manifesta no meu cotidiano, nas relações, no corpo, no desejo e na minha arte.

Quando canto e produzo, não penso em traduzir o espiritual para o pop, mas em deixar o espiritual fluir dentro do pop, dentro da vida normal. Tudo é espiritual. Essas músicas refletem um tempo de expansão. Falam sobre transformação, amor e presença, temas importantes pra mim e que estão pulsando nas linguagens de hoje.

Sua música pede escuta atenta, profundidade, quase o contrário do que as plataformas estimulam. Como você se relaciona com esse presente acelerado, de consumo rápido e tendências descartáveis? Como sua obra respira nesse ambiente?
Tento não lutar contra o tempo, mas aprender a respirar dentro dele. No ritmo das redes há muita distração e entendo que a arte atua nessa dimensão, mas busco a presença e respeito meu tempo. A presença cria respiro. E o respiro permite que a arte seja sentida. Sirvo as pessoas da terceira dimensão, onde pensamentos tomam forma e viram arte. Arte para as pessoas, para conectar e mexer com os sentidos. A tecnologia pode ajudar a expandir, mas arte ainda é para fazer a gente sentir.

Quando lanço um álbum, não penso em viralizar, penso em ficar feliz e tocar as pessoas. Acredito que, mesmo nesse mundo acelerado, há quem ainda queira ouvir com o coração aberto. Faço música pra ouvir. O espaço da minha música é esse: o lugar da conexão e do sentido.

Seus shows são descritos como experiências rituais. O que acontece na passagem do estúdio para o palco? Como você recria sua música ao vivo, o que se transforma na energia compartilhada com o público?
O palco é onde a música ganha movimento, mas também é um mistério. No estúdio, sou muito guiada pela intuição. Existe técnica, mas é um processo introspectivo. Costumo chamar o estúdio de ‘laboratório alquímico’, onde tudo o que sou está passível de transmutação.

O palco é onde tudo se expande. Onde a persona se apropria da música e atua. É quando a canção deixa de ser minha e se torna nossa. A cada show, algo incrível acontece. As músicas têm vida própria, tomam novas formas ao vivo, na energia dos músicos e quando fechamos os olhos juntos para nos conectar com nosso sagrado. Não é um ritual; é a tecnologia da música que reúne as pessoas. Para mim, é mais que um show. Entro no palco com a intenção de encantar e ser encantada. Quando a energia se alinha, o que acontece ali nem a gravação mais perfeita conseguiria traduzir.

Sua voz é um farol de representatividade. Se pudesse plantar uma semente em cada pessoa que te ouve, qual seria a mensagem mais urgente que gostaria de despertar?
Se conhecer. Fazer o trabalho que ninguém pode fazer por nós e talvez lembrar de quem somos de verdade. Vivemos um tempo que nos desconecta da essência: corpo, natureza, sentir, espírito. A arte tem o poder de nos relembrar e acessar nossa autenticidade. Gostaria que quem me ouve se reconhecesse como parte de algo maior, entendesse que existe força na sensibilidade e beleza na verdade. Que o amor não é ingenuidade, é uma tecnologia de transformação.

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Agradecimento: Marcus Vinicius Magalhães (Assessoria de Imprensa)

Fotos: Noa Grayevsky (capa) e Lucas Cordeiro (destaque)

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