
A DJ que garimpa a melancolia dançante pelo mundo fala sobre a música que te acha e a pista de dança onde o tempo se dissolve.
A música de Ana Flávia mora nesse lugar raro onde a pista de dança encontra a melancolia feliz. Seja em seus sets solo ou nos coletivos Sayé Kolektif, Dans Agogo e De Polainas, ela busca a faixa com “synth bonito, beat com alma vintage e carga emocional”, aquele som que nos faz dançar com lágrimas nos olhos. Sua pesquisa é um ato de resistência contra a previsibilidade dos algoritmos, uma busca pela música “que te acha” em rádios online e garimpos em lojas de discos. Convidar Ana Flávia para criar um set para o deepbeep é celebrar essa curadoria humana, a aposta no inesperado e a fé na inteligência da pista. Gravado exclusivamente em vinil, o resultado é uma viagem sonora que nos leva a descobrir uma cidade nova, cheia de surpresas e delícias.
Lísias Paiva, editor-fundador
Ana Flávia, seu trabalho transita entre sua carreira solo e projetos coletivos como o Sayé Kolektif, Dans Agogo e o De Polainas. Como essas duas frentes se alimentam? A energia de criar em coletivo muda a forma como você pensa seus sets individuais?
Muda sim. No coletivo a gente aprende muito — tem troca, tem afeto, e isso influencia completamente quando toco ou gravo sozinha. Para mim, tocar sempre foi sobre fazer as coisas juntas, sem sombra de dúvidas. Cada coletivo traz uma proposta diferente: o De Polainas tem uma entrega completamente distinta do Dans Agogo que, por sua vez, é outra experiência dentro do universo da Sayé Kolektif. Essas diferenças alimentam minha pesquisa e me abrem para infinitas possibilidades musicais e de encontro.
O set que você gravou para o deepbeep tem uma atmosfera muito especial. Qual foi a viagem ou a paisagem sonora que você quis construir para os nossos ouvintes? Qual era a sua intenção ao selecionar e mixar essas faixas?
Esse set traz discos favoritos que estão nos meus sets desde sempre com discos novos que estou tocando muito agora, garimpados nas minhas últimas viagens pela Eurásia. A atmosfera é disco, space, às vezes estranha, às vezes melódica e funky, como se a gente estivesse descobrindo uma cidade pela primeira vez, com suas surpresas e delícias.
Como uma pesquisadora musical, como você faz para furar as bolhas dos algoritmos e descobrir os sons que realmente te movem, para além do que as plataformas sugerem?
Eu sou viciada em rádios de música alternativa online, acho uma forma ótima de descobrir música nova, criada por gente de verdade e não algoritmos. E ouvir sets, muitos sets, eu amo. Ao vivo então, melhor ainda. E nenhuma plataforma vai superar aquela descoberta incrível que você fez em uma loja de discos, escondida na prateleira de discos baratos, aquele sentimento de que a música te achou e não o contrário. E daí esse disco vai te abrir as portas para um novo mundo, um novo gênero ou uma nova língua. Sobre plataformas, o bom e velho Bandcamp continua sendo para mim uma das fontes mais legais para evitar algoritmos indesejados e é uma das únicas que ainda valorizam melhor os artistas e selos.
A sua pesquisa musical parece passear por muitos lugares. Existe um fio condutor na sua curadoria? Qual é a espinha dorsal do seu som, a característica que faz um set ser inconfundivelmente da Ana Flávia?
Ah! Acho que a espinha dorsal do meu som são as faixas que têm um synth bonito, um beat com alma vintage e uma carga emocional capaz de provocar uma lágrima nos olhos. Quando a música consegue ser dançante e melancólica ao mesmo tempo — aí sou eu.
Seu trabalho é sobre criar espaços para o encontro e a dança. Para você, qual é o poder de uma pista de dança hoje?
A pista de dança é tudo isso: libertação, comunidade e esquecer o mundo lá fora. É o lugar onde o tempo se dissolve e tudo o que importa é o agora, e esse é o poder de uma pista para mim. É quando a vida vale a pena: dançar e cantar junto, sozinha, com amigos ou com gente que você nunca viu na vida, mas que estava ali com o mesmo propósito, ser feliz nem que só por uma noite ou uma tarde dançante. Não existe nada mais libertador do que se juntar com outros seres humanos para dançar, dividir um espaço, compartilhar aquele momento musical. Não há nada mais bonito do que compartilhar esse instante coletivo, corpo a corpo, som a som.
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