Mika Lins

Para a diretora, a técnica é o caminho para a liberdade, a música só entra depois da cena impecável e a performance ideal é uma conversa íntima ao pé do ouvido.

Mika Lins é uma diretora que esculpe com a matéria-prima mais volátil que existe, a fala humana. Seja no teatro, em leituras performáticas ou na preparação de uma narração, seu processo é guiado pela aparente contradição de que a busca pela técnica rigorosa é o único caminho para a verdadeira liberdade do ator. Ela é uma artista atenta, que força os próprios algoritmos a buscarem novas referências e que, de forma disciplinada, só permite que a música entre em cena depois que a performance já está “seca, impecável”, para evitar “emoções baratas”. Nesta conversa, Mika fala sobre o poder da escuta e a arte de criar uma conexão íntima com o público. Ao final, ela compartilha a “playlist de um texto perfeito”, uma seleção de canções que, como uma grande crônica, contam histórias e emocionam com a força da palavra bem dita. Ouça!

Seja em uma peça ou em um podcast, seu trabalho depende de uma troca muito profunda com os atores. Como funciona o seu processo para extrair a melhor performance de alguém? É mais sobre dar liberdade, sobre uma direção muito precisa, ou sobre criar um ambiente de confiança?
Eu sou uma diretora que prezo pela técnica. A arte precisa dela para que a subjetividade tenha o seu maior aproveitamento. A técnica, ao contrário do que pensa o senso comum, dá liberdade ao ator, ao invés de engessá-lo. E gosto de trabalhar com leveza, humor e precisão também, confesso.

Como uma diretora e curadora que precisa estar sempre alimentando seu repertório, como você faz para descobrir os textos, as peças e as vozes que te inspiram, para além do que as tendências indicam?
Eu sou uma artista atenta ao que vejo na rua, na internet, na casa dos amigos, na televisão, nas exposições, quando viajo. Eu desenho, eu amo arquitetura, artes plásticas. Eu tenho interesses tão diversos, amigos e relacionamentos com gente de lugares tão diferentes, mais jovens do que eu. Eu, inclusive, gosto de forçar o meu algoritmo a andar por outros mundos e países.

A música e a sonoridade são elementos fundamentais em qualquer trabalho cênico ou de áudio. Como você pensa a “trilha sonora” dos seus projetos? A música é um ponto de partida que define o tom, ou ela entra depois, para vestir e dar profundidade à cena ou à narrativa?
A música, eu acho, é uma das linguagens artísticas mais poderosas que há. Aliás, a música é uma das formas de arte que mais conforta. Acho que tenho um monte de memória afetiva ligada à música. Se as pessoas pudessem ler as nossas memórias afetivas — as minhas, pelo menos, que estão ligadas às minhas playlists —, elas praticamente ficariam mais íntimas da minha pessoa do que se me vissem nua. Aliás, tem essa brincadeira na internet: “não me mostre sua playlist”. Inclusive, não tem coisa mais sexy do que você fazer uma playlist para compartilhar com alguém. Mas, voltando à arte, a música pode me inspirar, sim. Eu tenho um caderno onde desenho, anoto e tenho playlists também para os espetáculos que crio. Agora, eu aprendi a colocar no teatro a música só depois da cena consolidada, depois da cena pronta, para que eu e os atores não sejamos iludidos pela música, achando que estamos nos aprofundando. Com a cena pronta, seca, impecável, aí vem a música para envolver e dar mais uma camada de significado ao trabalho. Então, ela pode te emocionar de uma maneira verdadeira, sem emoções baratas.

Grande parte do seu trabalho, do teatro ao podcast, é um convite para uma escuta mais atenta. Em um mundo tão acelerado e visual, qual você acredita ser o poder de simplesmente parar e ouvir uma boa história? É essa a principal conexão que você busca criar?
Quando preparo um podcast ou um audiolivro, eu quero que o narrador converse com quem vai estar escutando a sua voz. Ele deve falar individualmente com o ouvinte, que na maioria das vezes escuta um podcast e um audiobook com fones de ouvido, sozinho. Você deve contar a história para essa pessoa, direta e intimamente.

Fotos: Karime Xavier

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