Ricardo Moreno

Ele decifra o ‘espírito do tempo’ nos afetos e comportamentos, provando que o olhar humano é o maior radar para o que realmente importa.

Ricardo Moreno atua na intersecção entre cultura e estratégia, com um olhar apurado para o que está nascendo e o potencial de cada sinal para se tornar relevante. Fundador do “The Summer Hunter”, um projeto que transformou o verão em estado de espírito, ele prova que a leveza e o otimismo podem alimentar um trabalho estratégico de profundo impacto. Crítico da ditadura dos dados, Ricardo defende a intuição e a leitura cultural como bússolas para marcas que buscam construir significado a longo prazo, não apenas likes. Para ele, as melhores descobertas, sejam musicais ou humanas, florescem longe das telas, na atenção aos sentimentos coletivos e na simplicidade da rotina. Para mapear esses sons e sensações que definem o agora, Ricardo compartilha a playlist que tem embalado seus últimos dias. Dê o play e mergulhe no radar sonoro dele.

Ricardo, o seu trabalho acontece na intersecção entre cultura e estratégia. Ao observar o mundo, o que te chama a atenção — um comportamento, uma nova estética, um modelo de negócio? E como você sabe que aquele sinal tem o potencial de se tornar relevante para uma marca?
Tenho prazer em olhar para o novo. Sou early adopter de tecnologia e, mesmo sem um estilo muito ousado, gosto de entender por que as pessoas escolhem certas roupas, gírias ou jeitos de falar sobre o mundo. Não sou mapeador de tendências. Sou jornalista. Fui treinado para perceber o que está nascendo, o que pode virar pauta e como transformar isso numa história que qualquer pessoa entenda. Tenho 47 anos e gosto de conviver com gente mais jovem. Elas me trazem novas referências, músicas, formas de se relacionar. Não aplico necessariamente tudo na minha vida, mas me alimenta e me mantém conectado com o espírito do tempo. E esse espírito do tempo hoje, para mim, passa por temas como saúde mental, busca por silêncio, identidade e pertencimento. Observar e escutar devem ser hábitos. É assim que percebo quando algo deixa de ser isolado e começa a se espalhar com força e contexto. Aí mora o potencial. Quando uma marca entende isso, ela deixa de apenas vender e começa a construir significado.

O The Summer Hunter parece ser seu laboratório de inspiração, com um olhar que busca o verão — talvez uma certa leveza e otimismo. Como esse seu repertório pessoal e mais solar alimenta o seu trabalho mais estratégico?
O The Summer Hunter nasceu há 11 anos, durante um sabático. Percebi que passei um ano inteiro viajando em busca do sol. Com o tempo — e, principalmente, depois da pandemia — entendi que o verão não precisa ser uma estação do ano; pode ser um estado de espírito. A vibe solar, leve, festiva, curiosa, jovem, positiva… é algo que vem de dentro. E percebi que eu podia inspirar e estimular outras pessoas a encontrar esse lado solar da vida também. Sou otimista no macro e pessimista no micro. Acho que o pão sempre vai queimar, mas que o mundo, no fim das contas, só melhora. Pode parecer contraditório, mas sou assim — otimista no todo, cético nos detalhes. Me julguem, mas sou assim.

Hoje, muitas marcas baseiam suas estratégias em dados e métricas de performance gerados por algoritmos. Qual é o risco de uma cultura guiada apenas por otimização? E qual é o valor de uma estratégia que também considera a intuição e os sinais culturais que os dados ainda não conseguem medir?
Costumo dizer que a gente acredita nos algoritmos, mas não os respeita (risos). Hoje, temos ferramentas incríveis para medir audiência, interesse, retenção e tudo mais — e elas são super úteis, claro. Mas não dá para ser refém disso. Senão a marca vira uma máquina de agradar algoritmo e esquece de criar significado. Há muita coisa que os dados nem sempre captam, como nuance, contexto, sensibilidade. Às vezes, um conteúdo não vai bombar, não vai viralizar, mas vai ajudar sua marca a ser mais bem percebida, a ocupar um novo lugar no imaginário das pessoas. A intuição e a leitura cultural — esse radar mais subjetivo — são o que ajudam a enxergar o que vem antes dos números. Elas permitem que uma marca se posicione com mais coragem, mais consistência, e crie valor no longo prazo, não só no post de amanhã.

Qual foi a última vez que uma manifestação cultural — uma música, uma exposição, uma conversa na rua — te deu um clique e se transformou em um insight poderoso?
Sabe que, durante muito tempo, a gente ficava quebrando a cabeça tentando achar o insight perfeito, a pauta poderosa, o assunto do momento. E o que entendi é que não precisa pensar tanto assim. Claro, um livro, uma palestra, uma exposição, um show, uma viagem, uma volta na rua… tudo isso ajuda a refrescar a memória e renovar as referências. Mas o mais importante é estar atento aos sentimentos — os seus e os de quem está ao seu redor — e à pulsação do planeta. Sem parecer místico, é sobre perceber o que está movimentando as pessoas, o que está nutrindo as conversas, o pensamento coletivo. No fim, as dores, os medos, os desafios são meio que os mesmos para qualquer ser humano. Claro, estou falando a partir de um lugar de privilégio — de quem já tem o básico garantido. Não estou falando de medo de não ter o que comer ou onde morar, mas dessas angústias mais sutis que atravessam o cotidiano. Dito isso, o clique, na maioria das vezes, vem da rotina. Basta olhar com atenção para o que está pegando dentro da nossa própria equipe. Está todo mundo falando de saúde mental? Vamos fazer um post sobre isso. Alguém está com dificuldade para aprofundar relações? Virou tema também. O insight não costuma vir do extraordinário — vem do que é real, cotidiano e compartilhado. Você só precisa estar presente o suficiente para perceber.

Quando você ajuda uma marca a se transformar, qual é a mudança mais significativa que você espera causar? É sobre o negócio e os resultados, ou sobre a capacidade daquela marca de ter uma voz mais autêntica e um papel mais positivo na cultura?
Cara, o que realmente me motiva é fazer as marcas perceberem que elas são muito mais do que os produtos que vendem. Que a relevância cultural e social que elas têm pode causar um impacto mais profundo, positivo e duradouro na vida das pessoas. Eu defendo a ideia de que uma marca não precisa, necessariamente, ter um propósito nobre, tipo salvar o planeta ou acabar com a pobreza global. Pode ser mais simples que isso. Pode ser fazer alguém se sentir melhor, deixar o dia mais leve. E quando uma marca entende que pode ser essa parceira, que pode entregar conteúdo útil, histórias que conectam, informação que melhore de fato a vida de alguém — isso, para mim, é o que realmente vale. No fim, impacto cultural e relevância de marca andam juntos. Nem toda marca entende que o poder dela não está no chinelo, no protetor solar, no carro ou no óculos que vende. Está na força que tem — inclusive financeira — para comunicar algo que transforme, de verdade, a vida de alguém.

Fotos: Henrique Thoms

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